Brasil encerra a 38.ª edição do Festival Internacional de Londrina

O Brasil vai fazer bonito neste fim de semana no encerramento do Festival Internacional de Londrina, que começou dia 3 com o solo "A Poltrona Escura", de Cacá Carvalho. A montagem de "Ensaio.Hamlet" da carioca Cia. dos Atores e "Shi-Zen 7 Cuias" do grupo Lume de Campinas fecham a programação com criações do mesmo nível dos melhores espetáculos internacionais que passaram pelo evento. O mesmo se pode dizer da apresentação de Paulinho da Viola, que promete encerrar em clima de festa programação musical no Cabaré, espaço de encontro após o teatro.

A diversidade de idiomas e linguagens cênicas marcou a 38.ª edição do Filo, que certamente vai figurar entre as mais bem-sucedidas de sua história e contou com espetáculos de 12 países. Nesses 17 dias de programação passaram desde companhias de renome internacional, como a dinamarquesa Odin Teatret, dirigida por Eugenio Barba e a alemã Volksbühne, até outras menos conhecidas, mas que revelaram igual qualidade de criação artística como a peruana Hugo y Inês, com o espetáculo Cuentos Pequenos e a argentina El Patrón Vaszquez, com La Estupidez.

Mais uma vez, o festival chamou atenção para a qualidade do teatro feito na América Latina – aqui passaram bons espetáculos da Bolívia, Peru e Argentina -, o que provoca a pergunta: por que o intercâmbio cultural entre sul-americanos ainda é tímido? Afinal, as facilidades começam pela similaridade do idioma e chegam aos custos. Não é segredo que um dos motivos está na identidade comum de povos colonizados, responsável pela tendência a valorizar a participação européia.

Essa história comum amplia a importância da admiração provocada por um bom intérprete, que comove e faz rir, como ocorreu com os atores bolivianos de En Un Sol Amarillo. Com seu trabalho, por momentos, eles eliminaram associações como fome e precariedade comumente relacionadas ao biótipo característico dos descendentes de nativos da América: cabelos negros, rostos redondos e olhos amendoados. Os espectadores do Filo, certamente vão associar para sempre beleza e talento à imagem daqueles atores. Nada como a arte para descolonizar o olhar.

Direito à ficção

Esse tema também foi objeto de discussão na entrevista coletiva do grupo El Patrón Vazquez, que trouxe ao festival o ótimo El Estupidez, com texto e direção de Rafael Spregelburd que, aos 35 anos, é um dos mais incensados diretores da nova geração de artistas argentinos. E com razão, a julgar pelo espetáculo mostrado no Filo. Ao defender sua dramaturgia, argumentou: "Os europeus esperam de nós um teatro que fale de miséria e dos problemas sociais. naturalmente reservam a si o direito sobre os mitos universais." Defendeu "o direito humano à ficção" e um teatro ‘político’ contra um teatro ‘engajado’ como aquele que traz referências diretas a fatos e situações. "A realidade rouba ao teatro seus mecanismos para produzir verdade. O teatro então tem de ser uma construção poética, uma ficção, que delate ao espectador que o real também é construção", argumentou Spregelburd.

La Estupidez revelou que não se tratava apenas de discurso de diretor. Foram quase quatro horas de um espetáculo de incrível dinamismo, no qual apenas cinco atores no elenco – o diretor entre eles – interpretam 24 personagens cujas histórias se entrecruzam num único cenário, um quarto de hotel. O texto é um complexo e inteligente mecanismo, cujas engrenagens se ajustam incrivelmente bem. No quarto, há apenas duas portas, a de saída e a do banheiro. Quando uma se fecha para a saída de um personagem, outra se abre para entrada do outro. Nada muda, ou quase nada no cenário, mas o quarto é outro a cada momento , num código teatral que pede a cumplicidade do espectador. A rapidez das mudanças de roupa remete à comédia Irma Vap, mas com uma diferença fundamental: o espetáculo não chama atenção para isso, não busca o entretenimento, embora o humor, negro é verdade, dê o tom o tempo todo.

A venalidade é a característica dos personagens, envolvidos com alguma forma de ganhar dinheiro fácil, desde um trio de policiais – dois deles formam um divertido casal – que rouba uma mala de dólares num cena de crime, passando pelo filho de um cientista que tenta vender uma equação descoberta pelo pai até um grupo de jogadores. Ao fim de tudo, percebemos que o diretor alcançou o desejado.

Nessa peça, uma pintura falsa é exibida num museu como obra importante e uma revelação passa despercebida justamente por ter sido publicada na coluna de uma jornalista famosa. Ao construir bem sua ficção, Spregelburd leva o espectador a refletir sobre a ficção que o cerca.

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