Moscou – O amistoso do Brasil com a Rússia, nesta quarta-feira, em Moscou, pode ser resumido numa frase, adaptada de um conhecido comercial de TV: "Garçom, traga por favor uma estupidamente gelada." A partida vai ser disputada sob frio intenso – a temperatura na capital russa chegou a 12 graus negativos nesta terça-feira – e o que é pior, num piso muito castigado pela neve, com mais barro do que grama.
A exposição a tais condições dos atletas de uma seleção de ponta, pentacampeã mundial, três meses antes da Copa da Alemanha, atende a uma exigência de contrato entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e uma de suas patrocinadoras oficiais, a Ambev.
Pelo acordo, a empresa tem o direito de organizar e agendar um jogo por ano da seleção. A Ambev está interessada em incrementar a venda na Rússia de uma das cervejas mais populares no Brasil. A partida vai começar às 19 horas (13 horas de Brasilia), com transmissão direta pela TV Globo.
Para vários jogadores da seleção, enfrentar a Rússia, eliminada na fase classificatória do Mundial, não vai passar de um compromisso protocolar. Quase todos estão mais preocupados com as fases finais dos campeonatos europeus e da Liga dos Campeões da Europa. Eles, porém, sabem dos riscos de sofrer uma lesão muscular atuando sob temperatura tão baixa, num campo que contrasta com a qualidade técnica do grupo brasileiro.
"Esse jogo é uma fria", comentou um dos jogadores da seleção, no hotel onde o grupo está hospedado, pouco antes do treino dirigido nesta terça-feira pelo técnico Carlos Alberto Parreira no Lokomotiv Stadium, local do jogo.
Nas entrevistas, o discurso da comissão técnica e dos atletas parecia ensaiado. Ninguém reclamava do frio e do gramado. Ao contrário, diziam que dificuldades e obstáculos fazem parte e são importantes numa fase final de preparação de Mundial. "Nós corremos o risco de lesões a todo instante, em treinos e jogos. Não é porque está mais frio em Moscou que vamos ter de pensar nisso", disse o meia Ricardinho, confirmado como titular no lugar de Ronaldinho Gaúcho, cortado por contusão no tornozelo.
Pelo amistoso, a Ambev deve receber em torno de US$ 1,5 milhão. O compromisso desta quarta-feira será o último do Brasil antes do anúncio dos 23 convocados para a Copa da Alemanha, no dia 15 de maio. Depois, entre 31 de maio e 4 de junho, a equipe vai realizar dois jogos-treinos, contra Nova Zelândia e possivelmente enfrentando um combinado suíço.
Para Ronaldo, a motivação de defender o Brasil supera adversidades como baixa temperatura e gramado ruim. "O importante é vestir sempre a camisa da seleção", declarou o atacante, antes de ter contato direto com a longa faixa barrenta que predomina no Lokomotiv Stadium.
O atacante Adriano também não polemizou sobre o assunto e disse que não entra em campo "pensando em coisas ruins, como o medo de lesões".
Os dois atacantes titulares do Brasil estavam diante de uma platéia numerosa de jornalistas russos e não podiam ter sido mais diplomáticos.
Na tentativa de evitar problemas musculares, os jogadores do Brasil vão fazer um aquecimento especial, um pouco mais longo que o comum, quando faltar uma hora para o início do amistoso. Eles usarão camisa térmica e ainda uma malha impermeável antes de vestir o calção.
"Os cuidados aumentam mais em relação ao aquecimento. A hidratação também tem de ser bem feita. Ela é muito importante, tanto com calor e muita umidade ou com frio intenso", disse o preparador físico, Moracy Sant’Anna.
"É importante se aclimatar logo, vou até tentar fazer o aquecimento no gramado", continuou Moracy, admitindo uma preocupação com o desempenho dos atletas. "Risco existe, mas quase todos esses jogadores estão atuando em outros países da Europa com temperaturas em torno de zero grau. Para eles, não é novidade jogar no frio."
O goleiro Rogério Ceni, outro que vai sair jogando, deixou claro que sempre estará à disposição da seleção para jogos em quaisquer circunstâncias. Mas, depois do treino, não escondeu sua curiosidade pelo que pode render nesta quarta-feira, por causa do frio em Moscou. "Os pés e as mãos ficam doendo muito, praticamente congelados. O restante do corpo está bem protegido", revelou.
Rogério Ceni nunca atuou em situação parecida e espera ser bastante acionado para se manter aquecido durante o jogo. "Mas se a bola não chegar na área, não vai ter problema, eu invento alguma coisa, alguma brincadeira. Não posso ficar parado", admitiu.
Entre a comissão técnica há uma constatação de que o local do jogo não foi dos mais apropriados, por causa do inverno europeu. Mas Carlos Alberto Parreira preferiu falar do amistoso como uma oportunidade a mais de ver em ação o grupo que pretende levar para a Copa do Mundo. Ele preza bastante o convívio dos atletas e o relacionamento que mantêm quando estão servindo a seleção.
O treinador deu um show na entrevista coletiva desta terça-feira, dispensando intérprete para o seu inglês fluente. No final, teve de dar autógrafos para os jornalistas russos.
A seleção deve ter durante o jogo de quatro a seis mudanças, como disse Parreira. Rogério Ceni, desde que não tenha os dedos das mãos e dos pés congelados, deve ficar no gol até o final do jogo. Na zaga, Cris vai entrar no decorrer da partida. O atacante Fred também terá chance de mostrar seu futebol pelo menos por alguns minutos.