A apenas duas semanas da Reunião de Cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro, o Brasil foi novamente surpreendido por uma atitude da Argentina com potencial de desgastar a relação bilateral e de enfraquecer ainda mais o já debilitado bloco econômico.
Principal sócio do Brasil no Mercosul, a Argentina passou por cima dos trâmites esperados e decidiu abrir uma queixa na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as medidas antidumping aplicadas desde setembro de 2005 pelo governo brasileiro sobre as importações de resinas PET de origem argentina.
Buenos Aires não recorreu antes a consultas informais com autoridades brasileiras e, mais grave, ignorou a possibilidade de resolver a questão dentro do próprio Mercosul, por meio do Tribunal Permanente de Revisão, com sede em Assunção (Paraguai).
O Itamaraty acredita que o imbróglio será resolvido em fevereiro durante o período de consultas formais previsto pelas regras da OMC, em um encontro que se realizará no Brasil. Mas o estrago da iniciativa argentina no encontro do Mercosul nos próximos dias 18 e 19 será inevitável. Diplomatas brasileiros avaliam que, desta vez, a Argentina foi demasiadamente inábil
A decisão de Buenos Aires de recorrer à OMC deu-se justamente no momento em que o Mercosul tenta adotar um arcabouço institucional mais denso, com a instalação do Parlamento, e em que o bloco se mostra alvejado pelas economias menores e até mesmo pela Venezuela, que ingressou neste ano como sócio pleno. Em dezembro passado, diante dos seus colegas sul-americanos, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, defendeu que o Mercosul fosse "enterrado"
Embora o governo brasileiro tenha sido pego de surpresa, esta não foi a primeira vez que a Argentina valeu-se da proximidade de uma reunião dos presidentes dos países do Mercosul para pressionar o Brasil. Em todas as ocasiões anteriores, o governo Néstor Kirchner deu mostras de que prefere abrir o fogo contra Brasília sem considerar os riscos de debilitação do bloco e das relações bilaterais. Desta vez, a novela se repete
Em julho de 2004, a Argentina chegou a pôr em risco a reunião de Cúpula do Mercosul em Puerto Iguazu, da qual era a anfitriã. Dias antes do encontro, Buenos Aires impusera medidas de salvaguardas contra as importações de eletrodomésticos brasileiros. A iniciativa teve o objetivo de forçar o Brasil a aceitar a proposta argentina de introdução de um mecanismo de salvaguardas no Mercosul, que seria disparado automaticamente quando as importações de bens do vizinho disparassem em função de desequilíbrios nas taxas de crescimento ou de câmbio registradas por ambas as economias
O governo brasileiro resistiu até o segundo semestre de 2005, quando percebeu que o impasse poderia arruinar a Reunião de Cúpula de Ouro Preto, em dezembro daquele ano, que celebraria também os 10 anos da assinatura do Protocolo que deu o traçado definitivo ao bloco. Ao final de várias rodadas de negociação, o Brasil aceitou a criação do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) – como foram batizadas as salvaguardas – e ainda o considerou "intrinsecamente bom".
A rigor, a adoção de qualquer medida de salvaguardas entre sócios de uma zona de livre comércio tem o poder de implodir essa integração. Mas esse efeito potencial foi diluído, com a definição de regras mais severas que as da OMC para que o Brasil ou a Argentina se valham desse recurso de proteção comercial e pela indução a acordos entre as empresas envolvidas.
O governo brasileiro respondeu à iniciativa da Argentina com a decisão de não eliminar as sobretaxas antidumping sobre as resinas de PET argentinas e de contestar, na OMC, a acusação de que o processo de investigação do dumping foi deficiente. Mas poderá suspender a aplicação dessa medida se houver um acordo de preços entre os exportadores argentinos e os fabricantes do mesmo produto no Brasil. Essa será a linha de ação do Itamaraty nas conversas marcadas para fevereiro.