A obsessão da brasileira pelo corpo perfeito pode ter levado o País ao topo do ranking internacional de uso per capita de estimulantes, substâncias que são receitadas, principalmente, como inibidores de apetite e aceleram o sistema nervoso central. De acordo com o relatório anual da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), que vai ser lançado hoje, no Rio, o Brasil é campeão mundial no consumo de uma série de medicamentos da lista da Convenção Internacional sobre Psicotrópicos. São 12,5 doses diárias por 1 mil habitantes, quase 40% mais do que o uso registrado nos Estados Unidos.

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Ao alertar sobre o perigo dos inibidores de apetite, o relatório cita o caso da modelo brasileira Ana Carolina Reston, de 21 anos que morreu em novembro do ano passado em decorrência de anorexia (46 quilos e 1,72 metro). ?Anorexígenos, que supostamente são receitados e monitorados pelos médicos, também têm uso no tratamento da obesidade mórbida e até do Distúrbio do Déficit de Atenção. Contudo, são usados indiscriminadamente para alimentar a obsessão pela magreza que afeta certas sociedades?, destacou Philip O. Emafo, presidente da junta, que é vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) e, de forma independente, monitora a aplicação das convenções para o controle de drogas.

Os números elevados encontrados no Brasil, segundo o relatório, podem ser explicados pela produção doméstica, tanto que, em 2005 98,6% do fenproporex e 89,5% da anfepramona usadas no mundo, ambas como emagrecedores, foram fabricadas aqui, e a maior parte consumida dentro do País. As duas substâncias, que estão entre as quatro mais usadas no mundo, podem provocar comportamentos agressivos, alucinações, depressão respiratória, convulsões e até morte, assim como todos os outros estimulantes usados para inibir a sensação de fome.

A Junta observa países que têm aplicado medidas especiais e, com isso, reduzido o consumo, mas que o mesmo não tem ocorrido no Brasil.

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O aumento do consumo não se restringe aos inibidores de apetite, já que, segundo o relatório, o uso e o tráfico de medicamentos com venda controlada, como estimulantes, sedativos e tranqüilizantes, ultrapassou, em algumas partes do mundo, o uso de drogas ilícitas tradicionais, entre os quais heroína e cocaína. Segundo a Junta, o fenômeno é decorrência do uso abusivo, e se dá porque medicamentos de venda controlada têm efeitos semelhantes aos causados pelas drogas ilícitas quando tomados de forma inadequada e sem acompanhamento médico. Na última década, por exemplo, o número de americanos que tomam remédios com venda controlada praticamente dobrou: passou de 7,8 milhões, em 1992, para 15,1 milhões, em 2003.

A Junta alerta também para o perigo causado por uma ?enxurrada de medicamentos falsos?, e apela para que os países membros da ONU reforcem a legislação para evitar que eles sejam produzidos ilegalmente ou desviados para mercados onde não há regulamentação, pois as conseqüências podem ser fatais. Quando isso ocorre, e a fiscalização é ineficiente, pessoas e estabelecimentos podem vender medicamentos sem autorização ou, embora tenham permissão para a comercialização, acabam realizando a venda sem receita médica.

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?Os governos desses países não podem garantir a seguridade, a eficácia ou a qualidade dos medicamentos que circulam em seus mercados?, diz o relatório, em referência aos países onde a regulamentação é inexistente ou muito limitada, situação que atinge 30% dos países, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O problema é particularmente grave em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde, estima a OMS, de 25% a 50% dos remédios consumidos são falsificados.

São produtos que, cada vez mais, encontram na internet um espaço particularmente propício, já que a receita não é exigida.

Para tentar reduzir o avanço de drogas ilícitas e o consumo abusivo de drogas lícitas, Emafo observa que a saída é ampliar a troca de informações entre os países e investir mais para equipar e treinar o contingente de pessoas envolvidas na redução dos danos causados pelas drogas. ?No âmbito internacional, organizações que tenham mandatos para enfrentar o problema das drogas devem trabalhar em conjunto. A era do isolacionismo terminou?, conclui ele, lembrando ainda a importância dos programas de tratamento e reabilitação dos viciados em drogas.