Grande parte da maior reserva subterrânea de água doce do mundo está em terras brasileiras. Trata-se do Aqüífero Guarani, o reservatório que vai garantir a superioridade brasileira em meio à discussão mundial sobre a falta de água. O Professor Doutor em Engenharia Ambiental Eduardo Felga Gobbi cedeu esta entrevista à EcoTerra Brasil, na qual fala sobre a importância da conscientização sobre as águas, superficiais e subterrâneas.
Devido à poluição e a exploração indevida dos recursos naturais, menos de 1% da água doce superficial está disponível para o consumo humano. Mesmo assim, a água não vai acabar, mas cada vez mais estarão escassas as reservas. Neste contexto, no futuro será provável o surgimento de conflitos pelo acesso à água. Em nosso planeta existe aproximadamente 1,43 bilhão de quilômetros cúbicos de água. Menos de 3% deste total é doce, sendo que 2,15% estão nas geleiras. O Brasil é hoje o país mais rico do mundo em água doce: são 56 km2 de rios, totalizando 12 % da água superficial do planeta e 53% da água da América do Sul. Isso, sem contar as subterrâneas.
A maior reserva de água doce subterrânea do mundo está na América do Sul, mais precisamente na região centro-oeste, sob os solos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Aqüífero Guarani ? como é chamado desde o final da década de 1990, em homenagem às tribos guaranis que viviam na região ? não é um imenso lago subterrâneo, como muitos imaginam, mas uma enorme rocha porosa com grande capacidade de absorção. A água que é absorvida ocupa o espaço entre os grãos de areia. É provável que o Aqüífero Guarani seja o único com água potável a 2.000 metros de profundidade.
Com uma área total de quase 1,2 milhões de km2, dois terços ou 71% da reserva estão em territórios brasileiro, 19% na Argentina, 6% no Paraguai e no 4% no Uruguai. O maior potencial do Guarani está na possibilidade de fornecimento de água potável, que só necessita de tratamento caso sua composição seja alterada pelo processo de extração ou contaminação. Apesar disso, os impactos da atividade humana na superfície já são uma ameaça à sua integridade. O uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura, a suinocultura, que polui as águas superficiais e penetra profundamente no subsolo e, também, a falta de tratamento de esgoto nas áreas de recarga, são as piores formas de contaminação.
Mas pouco se discute com relação à proteção ambiental do Aqüífero Guarani, simplesmente pela falta de conhecimento. Falta investimento nas áreas de pesquisa, e talvez por isso estudos começam a acontecer com investimentos estrangeiros. Um exemplo é Projeto Guarani em discussão pelos governos do Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina e com apoio do GEF (Global Environment Facility ? Fundo para o Meio Ambiente Global), cujos recursos são administrados pelo Banco Mundial. Apesar deste financiamento externo, espera-se que os quatro países discutam ações conjuntas para que se consiga manter o Aqüífero Guarani como reserva estratégica para as futuras gerações.
Em entrevista à EcoTerra Brasil, o professor doutor em Engenharia Ambiental Eduardo Felga Gobbi falou sobre como entende a atual situação do Brasil em relação às suas reservas de água doce e principalmente sobre a situação do Aqüífero Guarani.
Dados na ONU apontam que o ano de 2025 vai ser o ponto crítico do abastecimento de água. Existe essa possibilidade real de o mundo sofrer falta de água?
Existem vários estudos sobre essa questão de possibilidade futura de falta de água no planeta. A ONU ? como uma organização que procura cuidar desses aspectos globais relativos aos assuntos de interesse internacional, e um deles é meio ambiente ? procura fazer alguns levantamentos para tentar antecipar problemas e realmente existem indícios de que em algumas regiões do planeta pode faltar água. Na verdade, algumas regiões já têm esse problema. Existem muitas considerações por trás dessas previsões e com isso sabe-se que realmente algumas regiões do planeta vão sofrer bastante em 2025. Mas isso não quer dizer que em 2024 não tem problema e a partir de 2025 os problemas vão aparecer. Isso é uma questão contínua.
É apenas um ano limítrofe.
É um número, essas coisas são meio simbólicas. Escolhe-se uma data para dizer algo como ?dá tempo de a gente fazer alguma coisa, se a gente não fizer nada, vamos ter problemas?. Mas certamente vamos ter problema de falta d´água a partir de agora, em diversos lugares do mundo.
E como é a situação do Brasil nesse contexto mundial?
O Brasil tem uma situação privilegiada, temos uma disponibilidade hídrica das maiores do mundo.
É verdade que 12% da água doce do mundo está no Brasil?
É verdade. Cerca de 12% do deflúvio médio anual, que é a quantidade de água que escoa pelos rios e chega ao mar. O Brasil tem cerca de 12% da vazão de todos os rios do mundo, e a gente não está falando em água subterrânea nesse caso. Então é um número muito significativo.
Se esses números não incluem água subterrânea, a situação do Brasil é melhor ainda.
Não conheço os números se considerarmos a água subterrânea, mas é bem provável que seja melhor ainda pra gente. Até porque o Brasil usa muito pouca água subterrânea, tem muitos países que usam muito a água subterrânea. Com a nossa situação, só vamos ter problemas se formos muito irresponsáveis. E a gente está sendo um pouco, porque em um país com a quantidade de água que a gente tem, já estarmos tendo problemas…
E como poderia ser a exploração consciente do Aqüífero Guarani?
O Aqüífero Guarani é uma reserva estratégica que a gente tem que cuidar com muito carinho. E a gente pode usá-lo, até porque essa questão não pode acontecer somente quando faltar água. É melhor que se use, porque daí força a ter cuidado. Se você não usa, não cria a percepção de que há uma dependência daquela água. Um exemplo mais clássico é o de Ribeirão Preto, em São Paulo, que é 100% abastecida pelo Aqüífero. Garanto que lá existe uma enorme preocupação em mantê-lo. Só que o Aqüífero não é só lá. É uma enorme área de abrangência, então existem possibilidades de contaminação em uma área brutal. A questão de usar é uma boa política, mas tem que ser racional: onde for melhor usar a água subterrânea, usa-se a subterrânea; onde for melhor usar a água superficial, vamos usar água superficial.
Mas a questão da preservação não vai ser mais complicada? Porque as pessoas sentem o cheiro de um rio poluído e mesmo assim poluem. Imagina com o Aqüífero, que não é visível.
Nesse ponto sou racional no seguinte sentido: a gente tem que fazer a conta. Se você está em um lugar que o Aqüífero tem possibilidade de fornecer água de boa qualidade, com um custo mais competitivo, vamos utilizá-lo, mas de forma responsável. Não sou muito dogmático nessas coisas, sou prático. A gente não pode tirar mais água do que a capacidade dele de se reabastecer. E isso não é um negócio trivial. Estamos falando de um aqüífero brutal, a gente não pode pensar no reabastecimento dele como um todo. O tempo de resposta dentro de um Aqüífero desses é muito lento. Então se você começar a tirar muita água em uma região só, vai baixar o nível do lençol nesse local. Na verdade, é uma questão de hidráulica subterrânea. É só a gente respeitar esses limites técnicos.
O reabastecimento do Aqüífero acontece através da infiltração?
Sim, nas áreas mais altas. O Aqüífero é alimentado nas regiões mais altas. Essa água entra subterraneamente pra ele e quando chega no meio, onde não tem recarga, ele vai estar totalmente confinado, de 700 metros até um quilômetro de profundidade. E é essa carga hidráulica que o mantém confinado lá embaixo. Imagine um recipiente fechado com duas aberturas. É uma seringa: se em uma das aberturas você apertar o pistão, deixando a outra livre, ele vai subir; se fechar a outra também, ele vai ficar confinado ali dentro. É um pouco o que acontece com o Aqüífero. Quando você faz um poço, ele jorra água pra cima em função da carga hidráulica que tem em cada ponto dele.
Então a quantidade de água consumida tem que ser a mesma que reabastece o Aqüífero?
Exatamente. Ninguém sabe esse número com precisão, mas estima-se que o Aqüífero Guarani tem uma recarga anual de 160 quilômetros cúbicos de água. Só para você ter idéia, o Brasil inteiro consome, por ano, mais ou menos 36 quilômetros cúbicos. Estima-se que o Guarani tenha potencial para ser explorado a uma taxa de mais ou menos 40 quilômetros cúbicos por ano. Abasteceria o Brasil inteiro. Mas não pode ser 40 quilômetros cúbicos em um lugar único, entende? O Aqüífero se espalha em uma área de 1 milhão e 200 mil quilômetros quadrados, imagine a diversidade das rochas sedimentares onde ele está presente. E a gente não consegue enxergar, não existe equipamento que permita isso, então existem hipóteses. Geólogos têm levantamentos que dão uma idéia mais ou menos razoável. O volume de água estimado dentro do Aqüífero, por exemplo, é de 46 mil quilômetros cúbicos. Só para dar uma idéia, todos os rios do mundo juntos jogam nos oceanos mais ou menos 41 mil quilômetros cúbicos de água. O Aqüífero Guarani tem cerca de 46. Estou falando da água que está dentro dele. Outra coisa é a sua recarga, porque ele tem suas entradas e suas saídas. A entrada de água anual é de 160 quilômetros cúbicos por ano, dos quais se estima que a gente poderia explorar tranqüilamente, sem grandes problemas, 40 quilômetros cúbicos. É muita água se a gente quiser administrar.
Existe estimativa de quanta água é utilizada hoje?
Parece que São Paulo tem cerca de mil poços, no Paraná tem o SUDERHSA, que autoriza o uso do Aqüífero, mas tem gente que tira clandestinamente, então não dá para saber. Qualquer número que eu fale vai ser um chute, mas está longe daqueles 40 quilômetros cúbicos por ano que ele poderia fornecer. É piada, é residual perto do potencial dele.
Esses poços artesianos também são entrada de poluentes?
Também. Mas os lugares mais problemáticos são os locais de recarga. Porque é ali que a água vai entrar naturalmente. A água e o poluente. Se você poluir a água que está entrando em uma região de recarga, ela vai entrar naturalmente, sem resistência. Já lá no meio do Aqüífero se você faz um furo e está explorando, a tendência natural é que, se deixar esse buraco aberto, ele fique jorrando água pra cima. Não é tão trivial assim ele acabar sendo poluído.
Então as áreas de recarga são o grande problema.
Sem dúvida. Pode poluir por agrotóxico, por causa da suinocultura, etc. Um pouco diferente desses Aqüíferos mais comuns, esses de chácara que o sujeito vai lá e fura 15 metros. Esses poços sim são um problema porque muitas vezes não têm pressão para a água jorrar. Esses são realmente problemáticos e contaminam o lençol mais superficial que acaba alimentando os rios. O Guarani tem menos riscos. Mas, por outro lado, depois que contaminou é um pepino.
Não tem como limpar.
Pode esperar a próxima espécie, daqui a dois milhões de anos. É óbvio que depende do tipo de contaminante, mas estamos falando de uma coisa cavalar, dentro dele tem um volume de água igual à vazão de todos os rios somados do mundo em um ano inteiro. É coisa de maluco, não tem como limpar não.
A água do Aqüífero pode ser consumida diretamente?
De maneira geral a água do Aqüífero Guarani é de excepcional qualidade, pode ser consumida de forma direta. Mas quando tem uma cidade que é abastecida por ele, existe na legislação um conjunto de exigências que garantem que a água vai chegar à casa das pessoas, passando por toda a rede, sem patogênicos.
O custo da água subterrânea é o mesmo das águas superficiais para a população?
É o mesmo. Na verdade é um serviço que a companhia de saneamento oferece, então acredito que esses valores devam ser mais ou menos na mesma ordem de grandeza, por metro cúbico.
A forma de captação é mais cara para as águas subterrâneas?
É mais barata. A situação atual dos rios é muito ruim, então tem que gastar muito dinheiro pra tratar a água. A gente acaba recebendo uma água de boa qualidade, a água que chega na nossa torneira pode ser utilizada tranqüilamente, mas para isso o custo é muito mais alto. Muito mais alto porque é tirar água do Aqüífero.
Como estão os estudos acadêmicos sobre o Aqüífero?
É muito recente. Acontece o seguinte: as pessoas que vão se formando ocupam espaço naquilo que o mercado demanda. Como a gente não tem muita necessidade de estar explorando água subterrânea, acabamos formando muita gente boa na questão da água superficial. Temos um time de alto nível de hidrólogos. A parte subterrânea ficou mais com os geólogos, e alguns deles estão despontando agora. Só que o que acontece é um problema da fragmentação da ciência. Não se pode olhar para o Aqüífero Guarani separado do resto, separado do ciclo hidrológico completo. Então, às vezes, o cara conhece água subterrânea, mas não conhece água superficial. O que percebo é que a gente tem necessidade de juntar a turma de água superficial com água subterrânea, com o pessoal que entende bem de atmosfera, evaporação, pra tentar fechar o ciclo biológico. Mas esses processos são lentos mesmo.
Mas discute-se sobre águas subterrâneas na Universidade?
Ao contrário do que o nome diz, na Universidade cada um fica no seu cantinho. Não existe uma grande cooperação, também não existe repúdio, mas os grupos ficam cada um na sua. Isso na verdade não é culpa da Universidade, é culpa do modelo. O modelo de avaliação dos professores hoje leva a isso. Cobram do professor que ele participe de uns congressos, faça a sua pesquisa, publique numa revista, então é complicado, fica difícil sair dessa situação. Obviamente que na Europa e nos Estados Unidos existe uma situação um pouco diferente, eles estão mais evoluídos, têm mais grana, melhores condições de trabalho. Aqui é um inferno e isso toma muito tempo do pesquisador num país como o nosso. Mesmo assim o tema está ficando mais falado. A gente tinha que fazer um encontro anual para as pessoas se verem, os professores saberem o que o outro está fazendo. Porque é exatamente no meio acadêmico que as pesquisas vão pra frente, é onde tem gente disposta, preparada e disponível para pensar. Existe até um lobby do pessoal para que se use mais água subterrânea, porque daí as pessoas passam a ter uma percepção diferente do Aqüífero.
O Brasil tem uma política desenvolvida na questão das águas subterrâneas?
As pessoas envolvidas estão começando a fazer parte dos processos de decisão. A Lei Paranaense de Recursos Hídricos, de 1999, tem um capítulo especial sobre água subterrânea. Agora, é tudo o mesmo ciclo hidrológico. Acho que tem que ser uma Lei só. E no Brasil a gente tem uma certa fissura por ter uma lei, achando que daí as coisas estão resolvidas. Na verdade, tem que ter um conjunto de deputados que cuidem da melhoria das leis, que aprovem projetos que utilizem águas subterrâneas, para melhorar o conhecimento. E num país pobre igual ao nosso, às vezes é muito angustiante, as instituições são muito frágeis, muda um governo, muda tudo. Não tem continuidade nenhuma, pelo contrário. Depende de toda a população para mudar isso.
Fala-se muito sobre intervenção externa nas águas brasileiras. Qual a sua opinião?
A gente vive em um mundo capitalista, o modelo é esse e as empresas interessadas no negócio da água estão aí. A água é um grande negócio. Ás vezes tendo a achar que um pouco desse pavor criado em cima da água é superficial. Porque isso valoriza a água, faz com que as pessoas tomem água mineral e aí quando você vai ver, as empresas de água mineral estão na mão de empresas globais. Acho que, de certa forma, faz parte do processo esses países saíram na nossa frente, eles investem em ciência e tecnologia. No Brasil não. Então eles estão chegando, a gente sabe que os americanos estão estudando o Aqüífero Guarani.
As tropas americanas na Tríplice Fronteira podem estar lá também por causa do Aqüífero?
Não sei nada oficial, mas ali é uma região onde tem vários árabes. Só que daí os americanos botam cientistas junto, entendeu? Conhecem a região, eventualmente fazem lá uns ensaios. Agora a gente tem o Projeto Aqüífero Guarani, financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente, o GEF (Global Environment Facility), patrocinado pelo Banco Mundial. Inclusive em parceria com a Agência Nacional de Águas. Um financiamento, pelo que eu soube, de uns 300 milhões de dólares. Esse projeto tenta criar um Comitê Internacional dos países da América do Sul pra contratar empresas de consultoria pra poder tentar entender o Aqüífero, realizar estudos, plano de manejo, etc. Os caras têm dinheiro, financiam e ficam conhecendo. Tem que usar o satélite deles, a transmissão de dados deles, a telefonia das empresas multinacionais, então os caras ficam sabendo tudo. Somos reféns desse modelo atual.
A obtenção do lucro com a venda de água pode prevalecer ao abastecimento da população?
O abastecimento da população gera lucro.
Digo em relação à venda externa.
Não acredito nisso. Acho que existem formas de exportar água que não sejam botar em uma garrafa e levar. Imagine o seguinte: produzir comida para a China e Índia. Quando se produz comida, tem uma enorme dependência de água. Existem números chocantes de quanto de água se gasta pra produzir alguns produtos. Quando você exporta um quilo de carne é uma forma indireta de exportação de água. Porque para o boi crescer ele tem que comer, ele vai ser abatido perto dos dois anos, então pense a quantidade de capim que ele já comeu, etc. Quando se exporta fruta é a mesma coisa.
Mas existe a possibilidade de exportação de água como matéria-prima?
Não acredito, não sei se a gente vai chegar a esse ponto, como o que a gente faz com o petróleo. Outro dia vi um projeto de um túnel que liga Londres à Nova York. Se eles estão bolando um túnel para passar carro e trem, imagina um caminho para levar água… é tranqüilo. Dá para levar, agora não sei se a gente vai chegar nesse ponto. Mas com certeza absoluta vamos exportar água de outras maneiras. A China está em uma situação delicada, ela vem explorando o seu Aqüífero subterrâneo a uma taxa muito maior do que a recarga, então ele está diminuindo. Não é à toa que o Brasil tem procurado manter essa proximidade com a China, ela é um grande mercado pra gente, pra carne, pra comida. E quando os chineses deixarem de produzir comida lá porque os Aqüíferos não vão mais dar conta e eles forem usar parte da comida produzida por nós aqui, é exportação de água. Temos uma vantagem competitiva: temos água. A questão é como nós, brasileiros, vamos transformar isso em benefício pra gente. Não tem problema nenhum que a gente produza comida pra eles, desde que os benefícios fiquem para a população brasileira. Então é uma situação que depende dos políticos, da população e do esclarecimento.
Existe a possibilidade de o Brasil perder a soberania das águas do Aqüífero Guarani?
Não acho fácil, mas do jeito que as coisas aconteceram com os Estados Unidos, olhe o que eles estão fazendo no Iraque e já fizeram no Kuait. Enfim, não vou fazer nenhuma previsão catastrófica, mas diria que tem 99,9% de chances de a gente não perder, mas vou dar 0,01% de chance para esse outro lado. Não tenho certeza. Acho que o tema é relevante, acho que o controle da água vai ser muito importante no futuro. Principalmente por causa de produzir comida, porque essa é a questão. O maior consumo de água do mundo é da produção de comida, não é para abastecimento. O consumo de água no mundo é 69% da agricultura, 21% da indústria e só 10% para abastecimento humano. A irrigação é o maior consumidor de água no mundo. Aí, nesse sentido, dominar, ter o controle sobre a água é um negócio. Acho que se o modelo capitalista atual for pra frente, se não houver nenhuma alternativa nos próximos 50 anos, esse domínio vai se dar pelas empresas. A França tem grandes empresas nessa área de água, a Sanepar é um pedaço dos franceses. Só para você ter idéia, os franceses têm empresas dentro dos Estados Unidos, então os próprios americanos se preocupam um pouco com isso, eles dominam esse negócio. Então, acho que a gente vai ter problema sim, mas vai depender da postura do Brasil.
Nesse sentido de postura do Brasil, vai complicar o fato de o Aqüífero estar em uma região fronteiriça?
Acho que é uma questão de geopolítica, não é uma questão trivial. Mas cerca de 70% do Aqüífero está no Brasil, então de certa forma isso já é um ponto em nosso favor, se a gente conseguir conduzir esse processo de Mercosul. Existe até um outro financiamento do Banco Mundial agora para tentar entender a gestão das águas na Bacia do Prata. A Bacia do Prata é uma bacia internacional e tem mais de três milhões de quilômetros quadrados. E como é uma bacia internacional existe muita curiosidade de entender a gestão das águas nesse aspecto e, para isso, existe um financiamento para um estudo comparativo da Bacia do Prata e, se não me engano, a Bacia do Reno, na Europa. Que é outro rio que atravessa vários países, tem o mesmo problema daqui porque a água começa em um país e acaba em outro. Então o Banco Mundial financia um projeto atualmente para fazer um estudo comparativo dessas duas gestões. É um problema de longo prazo, imagino que são coisas que vão ser discutidas nos próximos 20, 30 anos. Perdi um pouco a esperança de ver as coisas acontecerem na minha geração só.