Dando provimento ao recurso de apelação interposto por Friends Agência de Turismo contra decisão do Juízo da 2.ª Vara Cível da Comarca de Foz do Iguaçu que julgou improcedente o pedido formulado na inicial (prolatada nos autos nº 007660-85.2010.8.16.0030 da ação revisional de contrato ajuizada contra o Banco Bradesco Financiamentos S.A.), a 17.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença para afastar a capitalização mensal de juros, descaracterizando a mora do devedor, determinar a restituição simples dos valores indevidamente cobrados, afastar a cobrança das taxas administrativas e aplicar o CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Aplicando ao caso o regramento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ponderou o relator do recurso de apelação, desembargador Vicente Del Prete Misurelli: “É firme o entendimento de que se aplica a legislação de proteção ao consumo às instituições financeiras (Súmula 297, STJ), de modo que o princípio pacta sunt servanda não é óbice à exclusão de cláusulas contratuais consideradas abusivas, restando, portanto, superada a tese de que o contrato não estaria submetido à possibilidade de revisão”.
O recurso de apelação
Inconformada com a decisão de 1.º grau, Friends Agência de Turismo interpôs recurso de apelação sustentando a possibilidade de revisão do contrato, a limitação da taxa de juros simples e a impossibilidade da capitalização de juros. Pediu a descaracterização da mora do consumidor, a devolução dos valores cobrados a maior e a inversão dos ônus sucumbenciais.
O voto do relator
Consignou inicialmente o relator do recurso: “As partes firmaram contrato de financiamento (fls. 19) do valor de R$ 5.092,92 em 18 prestações de R$ 282,94 cada. Sobre o financiamento incidiu a taxa de juros mensal de 3,77%, e anual de 55,89% e outros 07 contratos da mesma natureza com valores diversos (fls. 22 e ss)”.
“No tocante à cobrança das taxas de abertura de crédito e taxa de emissão de carnê e outras taxas, estas representam repasse de despesas administrativas inerentes à atividade financeira realizada pela apelante e, por isso, afigura-se abusiva a transferência ao financiado. A cláusula que estipula o repasse dessa tarifa é nula de pleno direito, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada e é incompatível com a boa-fé e a equidade (art. 51, IV, do CDC). Vale citar: ‘(…) Os custos administrativos da operação creditícia, como de emissão do boleto e de análise de crédito, não podem ser transferidos à parte hipossuficiente da relação, sob pena de caracterizar evidente abusividade, já que são inerentes à própria atividade da instituição financeira, e não guardam propriamente relação com a outorga do crédito’. (TJPR – AC 392.643-6 – 17ª Câm.Cív. – Rel. Des. Renato Naves Barcellos – Julg.: 18/07/2007).”
“Assim, mostra-se equivocada a determinação de manter tais taxas administrativas, de modo que deverão ser afastadas e, consequentemente, reformada a sentença.”
“É firme o entendimento de que se aplica a legislação de proteção ao consumo às instituições financeiras (Súmula 297, STJ), de modo que o princípio pacta sunt servanda não é óbice à exclusão de cláusulas contratuais consideradas abusivas, restando, portanto, superada a tese de que o contrato não estaria submetido à possibilidade de revisão.”
“Referente à capitalização mensal de juros, diferentemente do decidido na sentença, pela análise do contrato resta evidenciada, pois a taxa anual definida (55,89%), não corresponde ao duodécuplo da taxa mensal (3,77%) que é 45,24% (fls. 19).”
“Com isso, para que se admita a cobrança nestes termos, deve haver pactuação expressa, o que não se verifica no caso em apreço.”
“E, nem se diga que a previsão destes índices, no preâmbulo do contrato configura expressa pactuação, pois conforme regramento do Código de Defesa do Consumidor (artigos 6º, inciso III e 54, §§ 3º e 4º), a informação deve constar de forma clara e ostensiva no contrato. Neste sentido: ‘Tratando-se de contrato tipicamente de adesão, a eventual disposição a respeito de capitalização de juros deve ser redigida em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a compreensão pelo consumidor aderente — art. 54, § 3º, CDC — não bastando para validar a prática da capitalização mensal a simples previsão no pacto de taxa nominal e efetiva diversa de juros, ou mesmo a inserção da expressão “capitalizados mensalmente” sem qualquer destaque ou forma de possibilitar inequívoca identificação por parte do consumidor, detentor de hipossuficiência técnica’. (TJPR – 17ª C. Cível – AC 0677236-1 – Rel.: Juiz Subst. 2º G. Francisco Jorge – J. 30.06.2010).
“Assim, é de se reformar a decisão para afastar a capitalização de juros e determinar que se aplique o cômputo dos juros de forma simples.”
“Como consequência da declaração de ilegalidade da capitalização de juros, é devida a restituição simples dos valores indevidamente cobrados, para se evitar o enriquecimento ilícito do apelado. A prova do erro, nestes casos, é dispensável (súmula 322/STJ).”
“Por conseguinte, o reconhecimento da indevida capitalização mensal de juros implica necessariamente em “abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual”, o que descaracteriza a mora, nos exatos termos da Orientação nº 2 do STJ: ‘ORIENTAÇÃO 2 – CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual’. (STJ – RESP 1061530/RS – 2ª Seção – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJE 10/03/2009).
“O reconhecimento de abusividade nos encargos exigidos durante a normalidade contratual, como a capitalização mensal de juros aqui verificada, descaracteriza a mora do consumidor.”
“Por fim, considerando-se a presente modificação da sentença, condeno o apelado ao pagamento integral de custas e honorários, estes no mesmo valor fixado na sentença (fls. 88), que bem atende ao trabalho desenvolvido nos autos e aos demais critérios do art. 20, § 3º, do CPC.”
“Ante o exposto, dou provimento ao recurso para o fim de afastar a capitalização mensal de juros descaracterizando a mora do devedor, determinar a restituição simples dos valores indevidamente cobrados, afastar a cobrança das taxas administrativas e aplicar o CDC na forma acima fundamentada.”
A sessão de julgamento foi presidida pelo desembargador Lauri Caetano da Silva (sem voto), e dela participaram o desembargador José Carlos Dalacqua e o juiz substituto em 2º grau Francisco Carlos Jorge, os quais acompanharam o voto do relator.
(Apelação Cível n.º 823852-8)
(Fonte: TJ/PR)