A Embaixada da Bolívia em Brasília disparou um ardiloso recado na manhã de hoje (4), pouco antes do início do encontro dos presidentes brasileiro e boliviano em Puerto Iguazú (Argentina). Na lógica de La Paz, o aumento de preços do insumo reivindicado pelo governo boliviano poderia ser compensado no Brasil por meio da redução da carga tributária sobre o gás natural. Ou seja, mesmo com um aumento dos preços cobrados pela Bolívia, o produto continuaria economicamente atrativo ao consumidor final brasileiro e não acarretaria sérios impactos na produção do Sudeste e do Sul e nos índices de inflação.
A fórmula boliviana foi sugerida pelo encarregado de negócios da embaixada em Brasília, ministro Pedro Gumucio Dragon, durante uma entrevista à imprensa. "Quem fixa o preço do gás é o Ministério da Fazenda que, com os impostos sobre o insumo, multiplica por três ou por quatro o valor original", afirmou o diplomata, ao ser questionado sobre a possibilidade de a importação do insumo tornar-se economicamente inviável para o consumidor brasileiro em função do aumento do valor cobrado pela Bolívia. "O preço do gás no mercado brasileiro é um problema interno do Brasil", criticou.
Gumucio deixou claro que não tem dúvidas de que a elevação do preço ocorrerá, mas não mencionou números. Em princípio, o aumento será definido nas negociações entre a Petrobras e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB), que deverão ser concluídas até 1º de outubro próximo. O diplomata deixou claro que o interesse da Bolívia no mercado brasileiro não esmoreceu. A demanda do País deverá ser multiplicada por dez na próxima década e, conforme destacou, as alternativas da Bolívia ao mercado brasileiro estariam no Uruguai, no Paraguai e nos Estados Unidos. Porém, nenhuma desses opções seria efetivada em curto prazo.
"Chegaremos um acordo satisfatório. Não chegaremos ao extremo", declarou, referindo-se à possibilidade de a Petrobras não concordar com um novo acerto de preços e recorrer à arbitragem internacional, como foi anunciado ontem pelo presidente da companhia, José Sérgio Gabrielli.
A "sugestão" boliviana, entretanto, foi desconsiderada por setores brasileiros. Zevi Kann, comissário-chefe da Comissão de Serviços Públicos de Energia, a agência reguladora do setor no Estado de São Paulo, disse que o impacto dos impostos federais e estaduais sobre o gás natural não chega a ser tão expressivo como no caso do petróleo, que sofre a incidência da pesada Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).
Em suas contas, os tributos brasileiros significam 30% do valor da tarifa cobrada do consumidor final ou 42% do preço de venda do insumo da Bolívia para o Brasil. Mas esses cálculos, admitiu Kann, são exagerados porque embutem integralmente o PIS/Cofins e o ICMS, que são compensados ao longo da cadeia de distribuição. "Os tributos são impactantes. Mas não multiplicam o preço do gás por três ou por quatro", afirmou Kann.
Segundo o Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (Cbie), o gás natural comercializado no Brasil sofre, na esfera federal, uma tributação de 9,25% referente ao PIS/Cofins. Já no plano estadual, há a incidência de ICMS, cuja alíquota varia de acordo com a unidade da federação. Em São Paulo, é de 12%. A entrevista de Gumucio foi marcada oportunamente para às 10h – antes do início da reunião entre os presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Evo Morales, da Bolívia, Hugo Chávez, da Venezuela, e Néstor Kirchner, da Argentina e do novo ataque do presidente boliviano à Petrobras, que acusou a empresa de fazer "chantagem" a seu país.
Em sua missão de defender os termos do decreto de nacionalização do setor de gás e de petróleo, o diplomata chegou a afirmar que a invasão das plantas de exploração e de refino da Petrobras por militares, no último dia 1º, tinha a finalidade de "proteger essas estruturas". Insistiu ainda que Brasil e Bolívia formaram 332 acordos ao longo de sua história, dos quais 44 referentes ao gás, e não podem limitar a relação bilateral ao gasoduto. "A relação nunca foi tão estreita e amistosa", sustentou.