Precisou o presidente Fernando Henrique Cardoso dar um murro na mesa para que o Partido dos Trabalhadores e seu próprio partido ? o PSDB ? acordassem para uma realidade que lhes estava diante do nariz: o rompimento de uma das derradeiras promessas do atual governo, realizada às vésperas das eleições presidenciais que deram vitória sem precedentes a Luiz Inácio Lula da Silva no embalo da esperança contra o medo. No caso, a promessa tem a ver com o que se convencionou chamar de minirreforma tributária, contendo em seu bojo o esboço daquilo que seria o fim da cobrança em cascata de alguns impostos, a começar com a supressão da cumulatividade do PIS/Pasep, prevista na Medida Provisória 66 enviada ao Congresso para a devida convalidação.

Petistas em alvoroço pela posse do governo e tucanos em revoada haviam fechado um acordo com outros partidos (PMDB, PPB e PTB) para aprovação da MP, mas sem incluir o fim da cumulatividade, considerada por FHC como a “alma” da medida por ele editada. O acordo selado deformava irremediavelmente a criatura: retirava o que o ato originário do Planalto tinha de bom e incluía a prorrogação da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda, entre outras surpresas ao contribuinte.

O presidente FHC agiu rápido, bloqueando o negócio fechado, em tempo de evitar a consumação do mal. E a partir daí começou-se um novo diálogo, selado quinta-feira última. Vislumbra-se ? conforme foi anunciado – a aprovação da matéria no decorrer desta primeira semana de dezembro, mês da indicação do futuro ministério.

Equivocadamente está-se denominando o feito de minirreforma tributária. Vai aumentar o imposto para alguns, manter o que já está alto para outros e, de quebra, prorrogar benefícios concedidos aos governadores no comando de estados exportadores que, à semelhança da alíquota máxima do IR, deveria findar com o ano de 2002. Em busca de recursos orçamentários que garantam o mínimo de ação governamental, o PT está mostrando não ser diferente de ninguém: o lombo do contribuinte já esfolado de tanta carga continua o preferido de governantes e condestáveis de plantão.

Restou do trêfego episódio a sensação de que se para o novo governo que se prepara para assumir não é importante cumprir promessas de campanha, pelo menos para o governo que sai há a deliberada intenção de deixar consignado o argumento da realização do que foi tantas vezes prometido diante de reivindicações também tantas vezes reiteradas pela classe empresarial ao longo de muitos anos. A cascata do PIS/Pasep não é a pior nem a maior, mas tornou-se o símbolo que começa a ser rompido e que sinaliza, sem dúvida, uma tendência a ser seguida numa reforma tributária de verdade. Outra engenharia política de FHC, o magnânimo.

O murro na mesa, dado por Fernando Henrique quando seu partido já havia se comprometido em sentido oposto, é apenas um aviso aos contribuintes: não se pode esperar da representação no Congresso nenhuma vigilância efetiva em defesa dos interesses do bolso do povo. De um lado, está a loucura do câmbio que, sem controle, é três vezes mais devastador (e para todos) que todo o esforço fiscal de arrecadação do governo; de outro, a inflação comendo solta nos postos, escolas e supermercados, mas principalmente nas tarifas gerenciadas e controladas pelo próprio governo. Antigamente, diziam que era uma bolha, coisa que logo estoura ou passa. Nesta fase de transição paz-e-amor, entretanto, a bolha já virou balão. E a impressão é que estamos à deriva em alto-mar.

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