Se antes, apesar da certeza, debatíamos a inexistência de prescrição do direito à indenização dos perseguidos e ex-presos políticos do Brasil em relação à União Federal e aos Estados Unidos membros da Federação, agora não cabe qualquer controvérsia quanto ao respectivo direito deles e de seus familiares serem indenizados pelo Estado que perseguiu, prendeu, torturou e até mesmo, assassinou os que lutavam pela liberdade e pela redemocratização de nosso País.
O fato é que no dia 13 de novembro de 2002 entrou em vigor a Lei Federal n.º 10.559, que, instituiu o regime dos anistiados políticos constituindo alguns direitos, tais como, declaração da condição de anistiado político; reparação econômica de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, assegurados a readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no caput e parágrafo 5.º do art. 8.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; contagem, para todos os efeitos do tempo em que o anistiado político esteve compelido ao afastamento de suas atividades profissionais, em virtude de punição ou de fundada ameaça, por motivos exclusivamente políticos; conclusão de curso ou registro do respectivo diploma para os que concluíram cursos em instituição de ensino no exterior, dentre outros.
A referida Lei declarou como anistiados políticos aqueles que, no período de 18/09/1946 até 05/10/1988, por motivação exclusivamente política foram atingidos por Atos Institucionais ou complementares, que, estabeleceram punições, afastamento de atividade profissional remunerada, impedimento para exercer, na vida civil atividade profissional, detidos, cassados compelidos a exercer gratuitamente mandato de vereador, impedidos de tomar posse ou de entrar em exercício de cargo público, nos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, dentre outros aspectos.
Para o reconhecimento dos direitos previstos na Lei em comento no âmbito do Ministério de Estado da Justiça, foi criada a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar os pedidos conferidos aos anistiados políticos.
Assim, fica confirmado que, efetivamente, não há prescrição quanto ao direito à indenização dos perseguidos e ex-presos políticos, embora o fundamento dessa constatação não esteja ligado ao advento desta Lei que traz o reconhecimento da obrigação do Estado de reparar, em parte, as barbáries que os agentes do governo militar, durante o regime de exceção praticaram contra cidadãos brasileiros e estrangeiros que eram contrários ao regime.
A lei, dentre outros aspectos, trata de reparação econômica, porém, não esclarece a natureza jurídica da reparação proposta àquelas vítimas. Ao nosso ver, a reparação econômica prevista na Lei tem natureza material e previdenciária, portanto, resta o aspecto moral ser indenizado.
Ademais, os valores da reparação econômica em prestação única, por exemplo, limita, por isso, pode até ser questionada sua majoração, pois os valores são fixados unilateralmente pelo ente público que causou dano aos cidadãos.
A inexistência de prescrição do direito dos perseguidos e ex-presos políticos à indenização frente ao Estado fundamenta-se exatamente nos atributos à pessoa humana, ou seja, no direito personalíssimo, cuja característica fundamental é a de que inexiste prescrição enquanto perdurar a lesão causada à vítima. É o que aconteceu. Os agentes do governo de exceção praticaram lesão contra o ser humano, dessa maneira, se permanece a lesão de ordem moral ou material continua existindo o direito e a respectiva obrigação de indenizar.
Daí, pode-se concluir que a Lei que reconheceu dever de reparar aquelas vítimas do governo militar, porém, propõe reparação unilateral, cuja natureza é material e previdenciária, possibilitando, ainda, que os anistiados políticos, vítimas do procedimento arbitrário do governo de exceção, podem, também, paralelamente buscar no Judiciário, indenização moral, conforme prevê a própria Constituição Federal de 1988 ao elevar à categoria de Direito Constitucional à possibilidade de cumular a pretensão de indenização material com a moral.
Outro aspecto que deve ser considerado é a possibilidade de questionar o quantum indenizatório da reparação econômica prevista na Lei ora comentada.
De qualquer maneira, deve ser referenciada a iniciativa do presidente da República e do Congresso Nacional, por terem reconhecido e possibilitado a criação dessa lei que reconhece o equívoco que ocorrera em nossa história nacional, mas, com todo respeito, entende que ela poderá ser ampliada e, também servirá como paradigma a outros países que em dado momento de sua história optaram pelo regime desumano de exceção arbitrária contra seus cidadãos.
A luta pela adequada reparação moral permanece. Muitos trazem consigo o mesmo sentimento de liberdade e igualdade que motivou as lutas libertárias na busca do Estado solidário. Devemos dar o exemplo ao mundo de que é necessário o Estado reconhecer seu erro e indenizar suas vítimas. Ao Judiciário é dada a responsabilidade de continuar reconhecendo o direito dos ex-presos políticos à indenização pelos danos causados a eles.
Enfim, todo mérito do processo de democratização e do reconhecimento dos direitos aqui tratados, deve ser atribuído aos valentes e patriotas cidadãos que não se deixaram intimidar pela repressão em tempo imposta e conquistaram para nós esse Estado possível de ser melhor.
O direito à indenização, perdura!
Wilson Luiz Darienzo Quinteiro
é advogado em Maringá, PR., escritor do livro a ser publicado no início de 2003 – Ex-presos Políticos. O Direito à Indenização Perdura! E-mail: wilsonquinteiro@globo.com