Paradoxalmente, a formação de um bloco de governos de esquerda em países latino-americanos encontra raízes na eleição do republicano e direitista George Bush à presidência dos Estados Unidos. O temerário presidente dos EUA, com suas pretensões de dominar o mundo pela força das armas, com a ONU, se possível, sem ela ou contra ela se necessário, fez com que usasse o terrível atentado das torres gêmeas sofrido por Nova York como pretexto para invadir o Afeganistão e depois o Iraque.
A invasão do Afeganistão tinha como pretexto prender Bin Laden ou aniquilar a organização terrorista por ele dirigida. Morreram milhares de inocentes e esse intento não foi conseguido. No caso do Iraque, à custa de vidas inocentes e perda de mais de três mil soldados norte-americanos, não se comprovou o alegado pretexto para a deposição do ditador Saddam Hussein. Os aliados arregimentados pelos Estados Unidos mantêm-se ao seu lado com constrangimento e alguns já desertaram.
Essas atitudes arbitrárias e temerárias de Bush granjearam-lhe profundas antipatias em todo o mundo, inclusive nos países que a ele foram forçados a se aliar nas guerras estúpidas que empreendeu. Mesmo no território norte-americano plantou inimigos entre o seu próprio povo, inconformado com uma guerra que sacrifica vidas de soldados e bilhões de dólares. A resposta do mundo inconformado, senão revoltado, tem sido a eleição de governantes de esquerda, mesmo nos países historicamente aliados e forçadamente dependentes dos Estados Unidos. Seria até o caso do Brasil, não tivesse influído na eleição do presidente Lula um desejo que vinha amadurecendo há muito tempo de experimentar algum outro caminho que não fosse a repetição dos governos burgueses, quase sempre insensíveis aos gravíssimos problemas sociais que neste País são desleixados. Lula, entretanto, uma vez no poder, não tem adotado nenhuma posição ideológica identificável, salvo em alguns passos da política externa, como a busca de estreitamento de laços com Fidel Castro de Cuba, Hugo Chávez da Venezuela e, mais recentemente, Evo Morales, da Bolívia. Mas continuou mantendo os laços mais estreitos possíveis com o governo Bush.
Os presidentes listados e os países que estão sob seu comando constituem um bloco de esquerda na América Latina, que pode ser considerado ainda reforçado se considerarmos as últimas posições dos governos argentino e chileno. Curitiba recebeu com festas, na semana passada, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, que peita de frente o governo dos Estados Unidos. Foi o atendimento a um convite do governador Roberto Requião, também de esquerda, para que Paraná e Venezuela firmassem alguns acordos no campo econômico. Acontece que os ?slogans? esquerdistas nem sempre dão cobertura a interesses econômicos ora comuns, ora complementares ou oponentes dos países do novo bloco de esquerda. Agora, por exemplo, o governo brasileiro vê-se às voltas com ameaças de mudanças na política petrolífera boliviana, onde a maior parte dos investimentos é da Petrobras. E é fechada a fronteira entre os dois países, pois os bolivianos da região seqüestraram ministros do seu governo para que Evo Morales volte atrás na proibição que decretou de construção de uma grande fábrica brasileira em território boliviano. Este é um bloco que se forma rico em ?slogans? e discursos, mas falta-lhe consistência quando busca construir interesses econômicos comuns.