Por essa o governo Lula não esperava. A greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio, de Barra (BA), em protesto contra o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para as bacias setentrionais do Nordeste, chegou hoje ao décimo dia.

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Todos os dias uma multidão de católicos se aglomera nas proximidades da pequena igreja onde o religioso resiste, para rezar com ele e contemplar o Velho Chico que passa a poucos metros.

O Ibama concedeu a licença ambiental para o início das obras, mas o presidente Lula resolveu adiá-las a fim de tentar convencer o bispo a encerrar a greve de fome, e não arcar com a responsabilidade indireta da morte do prelado, se isso acontecer.

A movimentação do governo rendeu ontem um ponto a favor: o arcebispo da Paraíba, dom Aldo Pagotto, defendeu o projeto e reiterou que a posição do bispo de Barra é meramente pessoal, não refletindo, destarte, o pensamento da igreja. A maioria dos bispos de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas é favorável à transposição das águas.

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Segundo os jornais, o governo se ressentia da falta de um pronunciamento mais incisivo da igreja e, em particular, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para evitar a impressão de contrariedade generalizada ao projeto em foco. Uma voz ergueu-se na Paraíba, arcebispado distante de ser considerado um dos mais expressivos do País, para dizer que a igreja não se deixa representar por uma atitude extrema e personalista.

Pagotto reiterou que não interessa à igreja discutir os aspectos técnicos do projeto, mas somente os impactos antropológicos e dimensões éticas. Não se compreende, contudo, em quais desses pontos o pensamento do bispo de Barra é divergente. Para ele, a transposição das águas do São Francisco trará benefícios quase exclusivos aos gigantescos projetos de lavoura irrigada já planejados para expandir o agronegócio.

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Enquanto as águas do rio da integração nacional continuam a rolar, como desde os tempos imemoriais, a transposição pretendida pelo governo é posta em questão por um simples bispo do interior, cuja religiosidade e fé evidenciam a grandeza das almas anônimas.

O religioso do distante rincão baiano parece uma figura emergida das páginas imortais de Cervantes.