Bingos e liminares

O presidente Lula sentenciou, quando milhares de funcionários de bingos protestavam em passeata realizada em Brasília contra o fechamento de seus postos de trabalho: ?Ou proíbe ou regulamenta. O que não pode ficar é essa indústria de liminares. Defina a regra do jogo, o que pode e o que não pode?. Ele ainda ironizou, referindo-se aos donos de bingos presos pela Operação Furacão, acusados de participarem e patrocinarem um esquema de vendas de sentenças judiciais: ?Alguns bingueiros não vieram?. A operação da Polícia Federal pôs na cadeia alguns bicheiros, seus asseclas, altos funcionários públicos e mesmo magistrados de instância superior. Os magistrados depois foram soltos, tudo de acordo com a lei, mas para a população soou como uma imoralidade. Afinal de contas, o crime de um magistrado vendendo sentenças é muito mais grave do que o de quem, por interesse próprio ou de terceiros, se movimenta para comprá-las. O juiz deve julgar. Embolsar dinheiro das partes não pode ser um argumento de decisão em suas sentenças ou medidas liminares. Um país com uma Justiça podre vira um mar de lama. Uma Justiça com algumas maçãs podres corre o risco de ver muitas outras maçãs apodrecerem. Mas o que certamente se deteriora é a indispensável confiança da nação em sua Justiça.

O que é essa indústria de liminares? Fiquemos no caso dos bingos. Uma lei federal proíbe o funcionamento de casas de jogos e máquinas caça-níqueis. Diante da proibição, os interessados e por ela prejudicados, em especial os donos dos bingos, através de advogados, entram na Justiça com ações procurando sustentar a legitimidade dos jogos que lhes rendem milhões. Até aí, tudo correto. Também correto o pedido constante das referidas ações de que seja dada uma medida liminar, ou seja, uma decisão antecipada da Justiça para que as casas de jogos continuem funcionando até que haja uma sentença definitiva. Essa liminar se justifica porque, enquanto fechadas, no interregno entre a entrada da ação e a sentença final, os interessados sofrem prejuízos irrecuperáveis. E, pelo visto, milhares de seus funcionários também.

O que se convencionou chamar de ?indústria de liminares? é a jogada de comprar magistrados ou quem esteja realizando os necessários inquéritos para que demorem o máximo possível para dar a decisão final. Enquanto isso, os bingos continuam funcionando e correndo dinheiro. E, se possível, que decidam favoravelmente ao funcionamento da jogatina. Aí, passam-se meses, anos, as casas de jogos funcionando, seus donos, ganhando fortunas e os envolvidos no processo para investigação ou com a obrigação de julgá-lo, embolsando propinas. Quanto mais demorarem para dar as sentenças finais, mais dinheiro ganharão.

Há quem considere os jogos de azar, em si, um grande mal. Mas mal maior é a corrupção no serviço público e na Justiça que eles propiciam. As liminares são um instrumento jurídico legítimo e evidentemente necessário em muitas situações. Talvez até nesta. O que não pode é um conflito de interesses dessa natureza permanecer sem julgamento, regulado por uma medida liminar precária, por tempo indefinido. Tempo utilizado para que corra solta a corrupção.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), prometeu aos trabalhadores das casas de bingo que realizaram a passeata em Brasília discutir com os líderes dos partidos, na próxima terça-feira, a votação do projeto de lei que regulamenta os bingos no Brasil. E não é sem tempo, pois embora sobrem razões morais e de economia popular para que haja uma posição contra os bingos, há quem os considere legítimos, sustentados no livre arbítrio de quem joga, no interesse financeiro de quem banca e no do governo, que não perde a oportunidade de manter ou criar mais um jogo para abocanhar uma parte do dinheiro que nele corre. O governo é o grande cassino deste País.

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