Desde a última reunião do Copom, apesar do arrefecimento dos efeitos da apreciação cambial, os indicadores de inflação ainda vêm-se mostrando extremamente favoráveis. A variação positiva do IPCA de julho (0,2%) foi basicamente provocada pelo reajuste nas tarifas de energia elétrica e telefone, já que os preços livres permaneceram praticamente estáveis e os dos alimentos tiveram deflação de 0,67%. O núcleo da inflação por exclusão de preços administrados e de alimentos reduziu-se de 0,52% em junho para 0,38%. De forma conjugada com os índices correntes, as expectativas inflacionárias continuam a manter trajetória declinante, com os agentes econômicos esperando um taxa acumulada em 2003 inferior a 10% e de 6,5% em 2004.
Como resposta aos duros apertos monetário e fiscal, os indicadores da atividade econômica emitem sinais alarmantes de queda. Em junho, a forte retração de 2,6% na atividade industrial praticamente reverteu o crescimento obtido no primeiro semestre. Após a quinta queda consecutiva, o emprego fechou o semestre com redução de 1,3% e salário real, de 6,4%. No mesmo período, o setor de varejo despencou 5,6%.
Esses números evidenciaram o espaço para a redução na taxa de juros, de modo que a questão resume-se à dimensão e à velocidade do afrouxamento monetário. Variável relevante nas decisões de investimento, consumo e poupança de prazo mais longo, a taxa real de juros vinha se elevando desde a última reunião do Copom. Se consideradas as projeções espelhadas pelo mercado futuro de juros da BM&F, de taxa prefixada de um ano equivalente a 21%, e as expectativas inflacionárias para os próximos 12 meses, de 6,47%, chega-se a uma taxa real de juros ex-ante de 13,6%, superando em 100 pontos a vigente na última reunião.
Assim, no intuito de alterar o formato da curva de juros de longo prazo, o Comitê de Política Monetária preferiu optar por surpreendente redução de 250 pontos. Contrariando não só a maioria dos analistas de mercado, mas também o recorrente discurso conservador e gradualista das principais autoridades monetárias, postura que vinha aumentando em muito o grau de previsibilidade nas decisões oficiais.
Com a inflação domada, as preocupações quanto a uma queda mais agressiva da taxa real de juros centram-se na eventual deterioração na percepção de risco e, conseqüentemente, na indesejada depreciação do câmbio nominal. Isto, no futuro, poderia comprometer a estabilidade de preços. Contudo, com o encaminhamento positivo das reformas, momentaneamente essa hipótese não parece realista, sendo mais provável que o risco-País seja favorecido pelo impulso na atividade econômica, com a flexibilização da política monetária e diminuição do custo de carregamento da dívida pública.
Desse modo, a redução da taxa básica para 22% ao ano, acertadamente, procura interferir na prefixação das taxas de longo prazo, de modo a reverter o aperto monetário e aquecer a atividade econômica neste segundo semestre. Muito provavelmente, a queda mais agressiva deverá permitir que a taxa real de juros acomode-se em patamar mais baixo, contribuindo em muito para a retomada da confiança dos produtores e consumidores. Este é um passo imprescindível para a recuperação da economia. Assim, foi muito bem-vinda a ousadia da decisão do Copom.
Everton Pinheiro de Souza Gonçalves é “risk manager” e economista-chefe do Banco BNL do Brasil AS.