Festival de Curitiba

“Beije Minha Lápide” emociona no Teatro Positivo

Ao final da última tomada, que anuncia que a peça irá começar, o Teatro Positivo escurece, e começa-se a ouvir Bala (Marco Nanini) iniciando seu monólogo de dentro de uma caixa de vidro em que projeções são feitas, ao mesmo tempo que uma música dramática pode ser ouvida ao fundo.

Poucos minutos depois, Ingrid (Júlia Marini) entra em cena, saudando o público que visita o Cemitério do Père-Lachaise, em Paris, local de descanso de muitas celebridades, como Jim Morrison, Édith Piaf e, claro, Oscar Wilde, que possui um dos túmulos mais famosos do cemitério.

Segundo conta a guia turística, fãs deixam beijos, como forma de homenagem, em cima da sepultura do escritor que nasceu na Irlanda, morou em Londres e escolheu Paris como sua cidade.

É com este cenário que o primeiro dia da peça “Beije Minha Lápide”, em cartaz apenas nos dias 29 e 30 de março, no 24º Festival de Teatro de Curitiba, se inicia. Escrita por Jô Bilac e com direção de Bel Garcia, a produção praticamente lotou o Teatro Positivo (grande auditório), com um público de mais de 2,4 mil pessoas na noite de domingo (29).

A produção conta a história de Bala, um escritor famoso, porém falido e considerado louco, e que se diz um grande fã de Oscar Wilde. Sua paixão pelo falecido é tão grande que ele comete uma loucura: quebrar o vidro que separa o túmulo de Wilde do público.

Preso, Bala conta que esta barreira de proteção é um ultraje a tudo que o célebre autor de “O Retrato de Dorian Gray” defendia, e que é apenas mais uma forma de reprimir, em morte, quem já havia sido reprimido em vida.

A expectativa do público era grande para a peça, que contava, além de Nanini e Júlia, com Carolina Pismel, fazendo o papel da advogada Roberta, que defenderá Bala na prisão, com Paulo Verlings, que dá vida ao segurança da cadeia em que o infrator está detido.

Danieli Machado, que já acompanha as peças do Festival de Teatro de Curitiba há mais de 20 anos, explica que o elenco foi um grande fator de decisão na hora de escolher qual peça prestigiar este ano. “As peças da Mostra Principal sempre agradam, e eu já sabia que Nanini era um ótimo ator”, conta.

Os amigos Bruno Scopel e Bárbara Bionis, que foram prestigiar juntos a peça, afirmam que pesquisaram sobre o conteúdo antes de escolher quais espetáculos valeriam a pena assistir. “Eu vim assistir “Beije Minha Lápide” na esperança de me comover com a história, quero me emocionar com o que estou prestes a ver”, explica Bárbara.

Já Leo Gama, que trabalha na Rede Globo, afirma ter escolhido a peça por já conhecer o trabalho de Jô Bilac, e querer prestigia-lo de perto. “A direção de Jô nunca desaponta, é sempre garantia de um bom espetáculo”, finaliza.

Ao longo da apresentação, é possível ver como os elementos de cena, apesar de serem simples (uma mesa e cadeira, um tabuleiro de xadrez e a caixa de vidro, na qual Nanini se encontra), possuem um significado grande, que será descoberto no decorrer da peça.

Pode-se observar, também, como Bala, que é um senhor teimoso e convicto de suas opiniões, consegue amolecer seu coração, a partir do desenvolvimento de sua relação com sua advogada Roberta e sua filha Ingrid, principalmente.

As duas, que já se conheciam antes, estão empenhadas em soltar o escritor, ao mesmo tempo em que sofrem com os dilemas de suas vidas amorosas e profissionais.

Bala e o segurança “Tomy”, no início possuem uma boa relação, tanto que o escritor o encoraja a escrever seus próprios versos e poesias, além de jogar xadrez e discutir sobre assuntos políticos e amorosos com o policial. É em uma dessas conversas que descobrimos que o escritor é homossexual, apesar de ter casado e gerado uma filha.

A personagem de Nanini trata sobre o amor e a dificuldade de aceitaç&atil,de;o da verdadeira sexualidade das pessoas por parte da sociedade, coisa que Oscar Wilde também sofreu em seu tempo, além de afirmar que se apaixonar é seu maior vício.

Ao passo de que Roberta ajuda Bala a escrever uma carta (ato considerado criminoso de se exercer dentro da cadeia) para Wilde, o público descobre que o escritor tinha feito um manuscrito, que se encontrava dentro de sua bolsa de mão no momento em que ele foi preso.

Entretanto, quando Ingrid finalmente recebe aval para visita-lo na prisão, e ele afirma que escreveu de forma inédita em um caderno para presenteá-la, o segurança, que agora se apresenta como Fabian, afirma que não havia nenhum caderno dentro da bolsa do protagonista, mesmo tendo dito, anteriormente, para Bala, que seu “livro” era genial.

Ao final da peça, Ingrid, que havia arquitetado o plano de quebrar o vidro junto ao seu pai, afirma que está deixando Paris, para ir para um lugar “bem longe”, como ela mesmo descreve. A apresentação é encerrada por uma conversa entre Roberta e Bala, que se finaliza por um beijo na sua “lápide”, representada, aqui, pela “caixa” de vidro.

Com texto dramático, mas com tiradas de humor ao longo da apresentação, a peça foi bem recebida pelo público, que saudou os atores de pé, ao final da performance. O advogado Fabiano Fachin, afirmou que a apresentação superou as suas expectativas.

“Acompanho o Festival há anos, mesmo morando em Joinville, pois ele me faz sair da realidade cotidiana. Além de ser fã de Wilde, também adoro o Nanini, então gostei muito dessa apresentação”, comenta.

A pedagoga aposentada Regina Talamini, que foi prestigiar a peça com sua nora, afirmou que o trabalho do ator principal a encantou. “O Nanini conseguiu me surpreender. Além disso, o texto é profundo e engraçado, e os outros artistas pareciam estar muito seguros de si”, finaliza Regina.

A peça possui apenas mais uma exibição, que será hoje (30), às 21h, também no Teatro Positivo.

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