Beccaria: gênio contemporâneo

As idéias de Cesare de Beccaria, em seu livro Dos Delitos e Das Penas, muito embora formuladas há exatos duzentos e trinta e seis anos, continuam vigentes até hoje. A obra representou um marco para a consagração do Direito Penal Moderno e humanitário, contrário ao sistema existente na Europa no início do século XVIII.

A legislação criminal européia, anterior ao Iluminismo, caracterizava-se pela utilização de métodos excessivamente cruéis para penalizar infratores, como castigos corporais, tortura e até mesmo a pena de morte. Beccaria se posicionou veementemente contra as penas desumanas, compilando idéias de pensadores como Montesquieu, Voltaire e Rousseau, e formulando um novo ideal de sistema criminal.

O Iluminismo representou papel importante nessa quebra de paradigmas que ocorreu na metade do século XVIII, justamente por objetivar uma mudança no sistema punitivo, censurando os métodos à época utilizados. O Direito, até então, servia como instrumento para discriminação, pois se privilegiavam alguns em detrimento de outros, garantindo ao juiz, personagem central do processo inquisitório da época, hoje substituído em grande parte pelo acusatório, os mais amplos poderes para julgar segundo seu arbítrio, sem limites.

O movimento iluminista, cujo ápice foi a Revolução Francesa, e, posteriormente, Cesare de Beccaria, por esse inspirado, defendeu uma reforma criminal, bem como penas proporcionais à infração praticada, levando-se em conta, na aplicação, as características pessoais do delinqüente. Acreditava-se que as sanções criminais deveriam ter como objetivo primordial a prevenção, mas essa seria alcançada não pela imposição de penas cruéis e indignas, e sim pela certeza e eficácia da punição do infrator pelo Estado.

Como bem retrata Heleno Cláudio Fragoso, ?Beccaria parte da idéia de contrato social, afirmando que o fim da pena é apenas o de evitar que o criminoso cause novos males e que os demais cidadãos o imitem, sendo tirânica toda punição que não se funde na absoluta necessidade?.(Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.) O movimento humanitário, do qual fez parte Cesare de Beccaria, lutou pela prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana, quando por ventura contrastados com quaisquer outros e, particularmente, no tocante à pena, defendeu a aplicação moderada e proporcional dessa, ou seja, humanizando-a.

O maior mérito de Beccaria foi, outrossim, compilar idéias e propostas de autoria do movimento Iluminista e de diversos pensadores, organizando-as e, por conseguinte, formular um novo modelo criminal, que serviu como parâmetro para a reforma penal ocorrida nos últimos séculos.

A atualidade da obra Dos Delitos e das Penas é inquestionável, já que os delineamentos por ela traçados serviram como diretrizes para os princípios hoje defendidos. Seu opúsculo, segundo Júlio Fabbrini Mirabete, propôs ?novo fundamento à justiça penal: um fim utilitário e político que deve, porém, ser sempre limitado pela lei moral?.(Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003.)

Não há, portanto, como discutir a importância dessa obra e como olvidar a genialidade de seu autor, haja vista serem até hoje estudados e tidos como modelo para um sistema criminal que valorize a pessoa, primordialmente.

Isabella Demeterco é acadêmica das Faculdades Integradas Curitiba. Monitora de Introdução ao Direito.

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