Um dos vice-líderes do PT na Câmara dos Deputados, o paranaense Paulo Bernardo, classificou as recentes declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, como “muito graves”. Acha que, assim na oposição, o STF pode influenciar juízes a uma posição contrária ao governo. Mais: lembrou coisa passada para insinuar que o ministro-chefe do Poder Judiciário teria cometido o deslize sob influência alcoólica, tendo misturado outra vez a bebida, tomando uísque com cerveja, como teria ocorrido à época do presidente Itamar Franco, em tempo de carnaval…
Como se vê, é conversa por demais hilária para assunto muito sério. Tanto que a ordem do governo foi baixar a bola e deixar a provocação sem resposta oficial, pelo menos por enquanto. Maurício Corrêa, entre outras observações contundentes, criticou o estilo de governar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a seu ver, deslumbrado com o poder. Disse – na entrevista publicada originalmente pela revista Veja – que o presidente Lula deve ao País e a seus eleitores uma explicação mais honesta a respeito da agenda adotada até agora.
As críticas do presidente do Supremo chegam numa hora em que se revela ao Brasil que o PT – quem diria! – partidarizou o governo e que a ação social, carro-chefe de um novo período, até aqui anunciada como sem precedentes, não conseguiu empolgar ninguém. Nem mesmo os mais próximos do Planalto. Vem na mesma hora em que, apesar de desacertos notórios, já se dá como certa a intenção de Lula de concorrer a um segundo mandato, embora não tenha ele ainda conseguido imprimir sua marca, nem livrar-se da recorrente desculpa de que todos os males atuais advêm da “herança maldita” deixada pelo governo anterior.
Há mais a considerar. As críticas de Corrêa têm a ver como o que o cidadão de mediana informação está pensando lá com seus botões, depois de assistir ao que se passa em Brasília com as anunciadas reformas, onde privilégios são consagrados, de um lado, enquanto de outro se ensaia aumento de impostos para acomodar caixas arrombados pela administração nem sempre responsável da União, dos estados e dos municípios. A perenização da CPMF, por exemplo, é a negação mais evidente da doutrina petista a serviço da sistemática oposição de ontem, assim como as mudanças nas regras e no tempo da aposentadoria significam traição imperdoável para os funcionários públicos que apoiaram o então “candidato da esperança”. A imagem do “estelionato eleitoral” já foi usada diversas vezes também para criticar a usura dos juros oficiais, a premiar a especulação em lugar de favorecer a produção – um espetáculo que não vem.
Outras críticas são alinhavadas à direita e à esquerda de Lula, que revela agora nunca ter gostado de rótulos. Algumas são justas e, como sempre, outras são injustas. Não podem tais críticas, entretanto, constituir novidade para quem está no poder, sujeito a constante avaliação. Nem mesmo quando partem de setores mais esclarecidos, como essas que vêm do chefe do Poder Judiciário. Se o deputado Paulo Bernardo prestasse mais atenção, diria que as críticas de Corrêa, longe de induzir a magistratura para um caminho de oposição, refletem apenas a insatisfação que há muito já campeia e grassa no meio que ora vive e representa o ex-ministro da Justiça. Não foram os magistrados que – em lugar dos descamisados e despossuídos que pacientemente esperaram na fila da Previdência, também paralisada sem castigo – ensaiaram uma greve nacional sem precedentes?
Antes que usar a grotesca imagem que evoca alguém que estaria de porre enquanto preside o Judiciário, seria importante ao governo realizar uma funda auto-análise para descobrir onde está, de fato, errando. Assim procedesse com honestidade, e talvez encontrasse razão no que diz Corrêa, isto é, que tem gente inebriada, para não dizer bêbada, com o poder. A ponto de perder noção de uma realidade que, se era ruim durante a campanha, agora está sem dúvida pior. E isso provaria apenas que tem mais gente em Brasília misturando bebidas.