Mais cedo do que se esperava, começa o bate-boca entre velhas lideranças apeadas do poder e expoentes do governo eleito pelos brasileiros no último dia 27. E o debate, em vez de enveredar por caminhos produtivos, corre o risco de se perder no confronto inútil que marcou, por muitas vezes, os embates havidos entre o governo que sai e os que lhe faziam oposição sistemática. Por essa via, quem sairá perdendo, está claro, é o Brasil. Sob todos os ângulos e aspectos.

Por exemplo: o governo em fim de mandato disse sempre que não podia dar aumento substancial ao salário mínimo porque estava subordinado a um mandamento orçamentário. Pior que isso, a um rombo previdenciário. Sem a reforma devida (e deixe-se à parte a análise dos argumentos que a inviabilizaram), a falida Previdência inspirou ao governo um golpe de mestre, desvinculando na prática a remuneração mínima dos que estão na ativa daquela percebida pelos inativos. Sem dar a mínima para isso, o PT discursava no vazio, reivindicando valores maiores para as aposentadorias, isto é, para o salário-mínimo.

Agora que o PT está virando governo (o novo mínimo já trará a sua marca), invertem-se as posições. A alegação das dificuldades continua a mesma, mas os atores, em cada lado, são outros. Arautos do PFL – e entre eles Antônio Carlos Magalhães, que apoiou o candidato Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições – nem ainda desceram os degraus do poder e já batem na mesma tecla, antes acionada pelos seus opositores. Anunciam-se na oposição e querem um salário-mínimo digno. No mínimo, R$ 240,00. Sabem – como sabiam antes – que isso é impossível sem criar problemas maiores, mas o fazem com o único objetivo: criar dificuldades e embaraços ao governo que nem ainda assumiu.

Ora, isso é ridículo. Assemelha-se às rixas colegiais de piás pançudos. Essa discussão do salário-mínimo precisa ser levada a sério, assim como também precisa ser sério o debate pelas reformas há tanto esperadas, como a tributária. Às turras não chegaremos a lugar algum. A não ser nesse tipo de debate estéril que se fixa já sobre a natureza da fome e da miséria e seus sempre contraditórios números; na alteração de migalhas percentuais sobre alíquotas do Imposto de Renda, quando o debate deveria enveredar para a reforma tributária; na própria posição que deve ter a CUT – Central Única dos Trabalhadores, ou o MST – Movimento dos Sem Terra diante do governo de um dos seus, ainda sem ao menos ter começado; no perfil do próprio presidente eleito, que ainda diz beliscar-se para acreditar na eleição, se deve ser mais populista ou sóbrio, quando na verdade o que interessa é a ação. Sem falar nessa grande discussão em que se engalfinham governadores de todos os partidos sobre a rolagem da dívida dos Estados, na verdade uma quebra de pactos ou contratos celebrados, iguais àqueles do FMI que muitos aconselham preservar…

Esse bate-boca já se instalou no setor mais alto da República – o presidente FHC e Lula. Aquele aconselhando oposição responsável, não igual à feita pelo PT a seu governo; este desprezando a memória do povo para dizer que não foi bem assim. O que foi a campanha “Fora FHC” logo após as duas eleições de Fernando Henrique Cardoso? E o que está sendo o gesto de FHC ao comandar a transição atualmente? Melhor seria, para todos os brasileiros, se de lado a lado eles descessem do palanque. Para vencidos e vencedores, as eleições já terminaram. Agora, como já dissemos aqui, é preciso voltar ao trabalho.

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