Telecentros, com internet banda larga – essa que fica 24 horas no ar pelo mesmo custo e dá até para ver filme de sacanagem -, em mil cidades escolhidas pelo Fome Zero. É a nova deliberação do Consea – Conselho de Segurança Alimentar, órgão criado pelo presidente Lula para representar diversos setores da sociedade civil junto às instâncias de poder, que é presidido por Luiz Marinho, também presidente da Central Única dos Trabalhadores – CUT – o braço sindical do PT. A decisão foi tomada terça-feira última, durante a mesma reunião em que o órgão decidiu enviar duas cartas a Lula: uma reclamando da falta de participação nos debates sobre a liberação do plantio de alimentos transgênicos e outra, mais séria, fazendo uma advertência ao presidente.
Na advertência, o órgão diz e repete que o Plano de Safra da Agricultura Familiar está um fracasso e, apesar das promessas de Lula, poderá fechar o ano dando vexame. Com mais dinheiro que antes, está mais devagar do que no tempo de Fernando Henrique Cardoso. Mais: que o anúncio feito pessoalmente por Lula despertou “grande expectativa entre agricultores familiares e organizações populares do campo”, mas essa expectativa “está cedendo lugar à decepção, porque a execução do plano está demasiado lenta”.
Tal lentidão, segundo a carta assinada pelo presidente do órgão e da CUT, não decorre da falta de recursos, mas “unicamente de entraves burocráticos e desconhecimento de muitos funcionários da administração dessas instituições a respeito da prioridade que Vossa Excelência outorgou ao plano”. Daí porque pede a intervenção direta de Lula para colocar fim à preocupação e à inquietação que já toma conta dos chamados “agricultores familiares”. Até 23 de setembro, lembra o Consea, haviam sido firmados 171.281 contratos de financiamento de custeio com agricultores; em igual período do governo FHC, esse número era maior (197.172). Lula prometeu liberar mais recursos que o governo anterior (R$ 5,3 milhões), mas o Consea alerta que, “se não houver atenção, aquele plano magnífico não vai acontecer integralmente”.
Não se conhece a reação que a carta causou em Lula, ultimamente preocupado também com o que diz o ministro da Saúde, Humberto Costa, em aberto conflito com uma parte do texto do Estatuto do Idoso, sancionado sem vetos pelo presidente. Mas é certo que os dados alinhavados por Marinho deverão alimentar a oposição ao governo, que cresce embalada pelo fracasso quase que evidente da reforma fiscal, que não agrada a governadores, já desacreditada também pela classe empresarial e pelos contribuintes em geral.
O apoio à agricultura familiar – além de suas naturais e próprias vantagens – é um dos tripés de outro programa prioritário do governo – o Fome Zero -, que também não anda bem das pernas. E se não anda bem das pernas não é por falta de comunicação, nem de recursos ou discursos oficiais, nem de doações voluntárias por parte da generosa população. Mas pelos mesmos motivos que não vai bem o primeiro, isto é, por entraves burocráticos e falta de sincronia no trabalho da equipe do governo, loteado entre soldados do partido. Palmas para Marinho que – ressentido ou não com a pouca atenção que está tendo – tem a coragem de dizer a Lula, diretamente, que assim não dá e que é preciso mudar.
Mas é também preciso fazer um questionamento profundo na última decisão tomada pelo Consea, tão zeloso no cumprimento de outras metas: quem disse que no cestão de caridade do Fome Zero deve entrar a internet banda larga? Para entrar a internet precisa haver telefone, energia elétrica, computador, programas e todo o aprendizado operacional – uma revolução. Nada contra revolucionários, mas sendo banda larga, os telefones precisam apresentar certos padrões, dificilmente encontráveis em muitos grotões onde o povo, sem telefone simples, não tem o que comer. A batalha contra a exclusão tecnológica (a fome do saber na fronteira da miséria quase absoluta) exigirá, sem dúvida, pesados investimentos. A pergunta que se impõe é única: a quem ou a que aparelho servirá a internet banda larga do programa Fome Zero?