Banalização do crime

O presidente Lula tem evitado falar da crise. Faz discursos com sua reconhecida eloqüência, a maioria de improviso, pregando otimismo, inaugurando obras, em especial as da iniciativa privada, e repetindo à exaustão que ?nunca neste País? algum governo fez tanto pelo povo quanto a sua administração. Mas foi flagrado em Paris por uma desconhecida jornalista brasileira, que estaria fazendo matéria para uma televisão francesa e que acabou ?vendendo? a entrevista exclusiva à Rede Globo. Nela, Lula foi chamado de você, senhor e excelência, recebendo perguntas lá não muito bem formuladas, o que evidencia a improvisação da profissional. Mas ela surpreendeu o presidente ao levantar o tema dos escândalos, que ele vinha evitando como o diabo foge da cruz.

Como o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores Delúbio Soares e o trambiqueiro Marcos Valério de Souza já haviam montado uma versão estrambólica do escândalo dos milhões, para tentar provar que eram um caixa 2 do PT para ajudar a eleição de companheiros e aliados e não mais para o financiamento do mensalão, na mesma canoa embarcou o presidente. Deixou a impressão de que tomara conhecimento antecipado da nova e incrível versão.

Sobre o caixa 2 do PT, o levantamento de dinheiro de origens obscuras e escusas para financiar, ilegalmente, as campanhas eleitorais, o que constitui crime, Lula disse que tal fato sempre aconteceu no Brasil. E a repetição, para ele, parecia descriminalizar a fraude eleitoral via banalização do gravíssimo ilícito. Crime que significa, em última instância, tapear o eleitorado e conquistar imerecidos votos e mandatos políticos.

O brasileiro comum fica por aqui, na planície, sem lenço nem documento e muito menos caixa 2 e mensalões, lembrando que sempre houve crimes. Homicídios, furtos, roubos, abuso no trânsito com danos materiais e mortes causados a terceiros, milhões passando fome, assistência à saúde pública precária ou simplesmente negada, corrupção praticada por membros de corporações de segurança, falta de habitações, salário mínimo inferior ao constitucional e incapaz de sustentar o trabalhador e sua família, desemprego. Enfim, uma lista infinda de crimes sempre praticados e pouco ou nada combatidos. E quase nunca punidos com firmeza.

Se montar caixa 2 para sustentar campanhas de candidatos, com dinheiro escuso porque escondido da legislação eleitoral e provavelmente de origem inconfessável; ou para comprar apoios via mensalões, sempre foram praticados e, por isso, deixam de ser crime, a prática constante daqueles outros crimes, praticados por particulares ou pelo próprio poder público, por ação ou omissão, também deve ser ignorada e merecer plena indulgência. A mesma indulgência pregada por Lula em Paris à jornalista bisbilhoteira. Se assim é, que rasguemos a Constituição, o Código Penal, a legislação de contravenções e todo o arcabouço jurídico de que dispomos para identificar e punir crimes de toda a natureza.

Se valem as maracutaias que estão sendo reveladas e não merecem atenção e punição, fica o ditado pela canção popular: ?Não existe pecado do lado de baixo do Equador?.

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