No último dia 15/10/08 a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o Projeto de Lei 226/06, que prevê a prisão de pessoa convocada por CPI que mentir ou ficar calada. A proposta, que acaba com o direito ao silêncio, foi apresentada pela CPI Mista dos Correios. Embora aprovada, é totalmente inconstitucional. Se convertida em lei, será declarada inconstitucional pelo STF. Certa feita um brasileiro questionou a existência do Ministério da Marinha no Paraguai, que não tem mar. O paraguaio respondeu: e vocês, no Brasil, não possuem, no Senado, uma Comissão de Constituição e Justiça? Talvez o melhor nome seria: Comissão de violação da Constituição e da Justiça.

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Jamais pode um juiz impor uma pena (de Direito penal) sem o reconhecimento da culpabilidade do agente (nulla poena sine culpa). Todo agente é presumido inocente. Sua culpabilidade só pode ser constatada dentro de um procedimento que observe o devido processo legal. Faz parte do devido processo legal o direito do agente de não auto-incriminar-se.

O Direito de não auto-incriminação contém várias dimensões (direito ao silêncio, direito de não declarar com si próprio, direito de não confessar, direito que não ceder seu corpo para produção de prova etc.). Dentre elas está, evidentemente, o direito ao silêncio, que está contemplado expressamente tanto na CF brasileira como na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8.º (cf. Luiz Flávio Gomes e Valério de O. Mazzuoli, “Direito Penal – Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/106; Sylvio H. de F. Steiner, “A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e Sua Integração ao Processo Penal Brasileiro”, p. 125, item n.º 4.4.7, 2000, RT, v.g.).

No HC 96.219 MC-SP, rel. Min. Celso de Mello, ficou proclamado que “A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, especialmente aquela exposta a atos de persecução penal”.

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O Estado prossegue o Ministro – que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem (RTJ 176/805-806) – também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512).

“Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, o direito (a) de permanecer em silêncio, (b) de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais, para efeito de perícia criminal”.

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“O exercício do direito contra a auto-incriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza constitucional, a adoção de medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a “persecutio criminis”. Quem exercita um direito não pode ser punido (ou prejudicado) por tê-lo exercido.

A origem do direito ao silêncio ou do direito de não auto-incriminação emana da presunção de inocência. Por força desse princípio, o ônus da prova compete a quem acusa: “Na realidade, ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que nunca se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão estatal e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe, ao órgão acusador, o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta, ao acusado, que jamais necessita demonstrar, a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público. É sempre necessário registrar que a pessoa sob investigação penal do Estado não está obrigada a responder ao interrogatório das autoridades policiais ou judiciárias, podendo exercer, sempre, de modo inteiramente legítimo, em face dos órgãos estatais, o direito ao silêncio (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), além de não precisar demonstrar a sua inocência, eis que, como se sabe, incumbe, ao Ministério Público, a comprovação plena da culpabilidade dos que sofrem a “persecutio criminis”.

O Min. Celso de Mello, com todo acerto, ainda enfatizou: “Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei n.º 88, de 20/12/37, art. 20, n.º 5). Precedentes.” (HC 83.947/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)”.

Sintetizando: todo réu tem direito ao silêncio, tem direito de não produzir elementos de incriminação contra si próprio, direito de não ser compelido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa nem constrangido a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais, para efeito de perícia criminal.

Com base nesse entendimento consolidado da nossa Suprema Corte pode-se prognosticar a declaração de inconstitucionalidade da lei que obriga o motorista ao bafômetro (art. 277 do CTB), porque isso significa fazer com que o suspeito produza prova contra si próprio. Isso viola o princípio da presunção de inocência assim como uma emanação sua, que é o direito de não auto-incriminação.

Nesse sentido: Antonio Magalhães Gomes Filho, “O Princípio da Presunção de Inocência na Constituição de 1988 e na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica”, “in” Revista do Advogado/AASP n.º 42, p. 30/34, 31/32, 1994″. Também é totalmente inconstitucional do PL 206/06, que pode até ter vigência, mas jamais será válido.

Luiz Flávio Gomes é professor doutor em Direito Penal pela Universidade de Madri, estre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001).