Autonomia da Receita

Não é assunto urgente nem tão importante, mas o presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou o clima de véspera de eleição para editar Medida Provisória, que, no argumento oficial, dá autonomia administrativa e financeira à Receita Federal, mas que, na verdade, atende às reivindicações corporativistas do pessoal lotado no órgão comandado ao secretário-geral Everardo Maciel.

De acordo com a MP, o orçamento da Receita passa a ser custeado por um fundo chamado Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades da Fiscalização ? Fundaf, formado pelo fruto das atividades da própria Receita. Isto é, com as multas e juros de mora que são cobrados pelo Fisco. A decisão presidencial dá ao órgão a possibilidade de ter unidade jurídica própria e um plano de carreira para seus funcionários.

Ao comentar a medida, o secretário-adjunto Ricardo Pinheiro disse que ela é tão-somente a ampliação do processo de autonomia iniciado em 1995 e que não se trata de uma “blindagem” do órgão, como alguns queriam, com o status de autarquia. A Receita continua a pertencer à administração federal direta, sob supervisão do Ministério da Fazenda. No ano passado, o dinheiro das multas e juros somou cerca de três bilhões de reais mas, segundo explicou Pinheiro, a transferência não será automática. O orçamento da Receita para o ano que vem é de R$ 800 milhões. De qualquer forma, o órgão passa a ter uma fonte de recursos que pode variar de acordo com sua própria atividade ou necessidade. Se faltar dinheiro no caixa, é só fechar o cerco sobre os contribuintes. Ou realizar alguma operação-padrão mais prolongada.

Embora o pessoal da Receita defenda o uso de Medida Provisória, o problema a nosso ver está exatamente nos meios utilizados pelo presidente da República para dar cabo à obra ? segundo se diz ? iniciada há tanto tempo. O assunto chega à análise do Congresso Nacional no apagar das luzes de um governo e, ainda, por caminhos transversos. Há a suspeita de que na questão do pessoal a MP encerre um grande trem-da-alegria. À parte outras considerações, 3.600 servidores do Serviço Federal de Processamento de Dados ? Serpro que estavam trabalhando na Secretaria da Receita Federal em 30 de setembro deverão ser mantidos em suas funções e, mediante algum ato complementar, efetivados no quadro próprio a ser criado com substancial aumento salarial.

A medida pode ser interpretada como uma espécie de agradecimento de FHC ao pessoal da Receita que garantiu, ao longo de seus oito anos de governo, um aumento sem precedentes (beirando os 50%) na carga tributária e deu ao Tesouro sucessivos recordes de arrecadação. O último desses recordes acaba de ser anunciado: setembro fechou com quase vinte e três bilhões de reais ? o maior volume mensal da história.

Espera-se, entretanto, que o próximo governo ? seja ele quem for -, além de encaminhar a reforma tributária, dê mais atenção ao que acaba de ser verificado no setor automotivo: com a redução das alíquotas do IPI ? Imposto sobre Produtos Industrializados, o crescimento real dos recolhimentos das montadoras foi de quase seis por cento. Isso sinaliza que quando a carga tributária é injusta, a arrecadação tende a diminuir pela via da sonegação ou do encolhimento da própria economia. Coisa que a maior autonomia da Receita não haverá de resolver.

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