Autenticidade em xeque

Tudo o que o candidato do PT à Presidência da República não queria está acontecendo: o vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Alberto Broch, acaba de admitir que a trégua no campo que serenou o conflito agrário brasileiro tem a ver com as eleições, pois a prioridade é eleger Lula e dezessete candidatos a deputados federais e estaduais. Embora procure dissimular, também o líder nacional do Movimento dos Sem Terra, Pedro Stédile, admite a trégua, mas explica que ela se deve mais ao fato de estarmos em final de governo, quando “o povo percebe que não tem com quem negociar”.

Comemorando a aliança com o ex-presidente José Sarney, cuja imagem de estadista foi ferida de morte pelo episódio que envolveu sua filha Roseana nos negócios escusos com recursos públicos (a origem daquele montão de dinheiro nos depósitos de uma de suas empresas não foi ainda devidamente explicado), Lula esquiva-se também de outro tema indigesto: o plebiscito sobre a Área de Livre Comércio Alca, marcado para este início de setembro, sob organização da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e outras 60 entidades sindicais e movimentos populares. Soberania não se negocia, é a palavra de ordem que o PT ajudara a escolher.

O Partido dos Trabalhadores tem sido até pouco tempo mesmo para os que de suas idéias não comungam um marco de autenticidade. Foi apontado por muitos como um exemplo de sobreposição das questões éticas àquelas da conveniência que a vida diária exige das pessoas comuns. Radical em excesso às vezes, mas um sinal de esperança e de mudança. Bastou que assumisse alguns cargos importantes na vida pública nacional e vislumbrasse uma possibilidade real de chegar ao poder central, e tudo cai por terra. Das alianças (diga-me com quem andas e te direi quem és, diz um velho ditado) ao abandono de velhos temas e causas que constituíram o tradicional combustível ou grito de guerra de suas lutas.

“Preferia que eles (o PT) não tivessem se retirado da cúpula”, lamenta o representante da CNBB na organização do 8.º Grito dos Excluídos, dom Pedro Luiz Stringhini, para quem a decisão foi momentânea. “Certamente, passado algum tempo, eles retornarão”, avisa o prelado. Esse algum tempo quer dizer depois das eleições. Em busca de votos, Lula chegou ao inimaginável: elogiou a política econômica do regime militar, citando exemplos de bons programas a longo prazo, como o Proálcool, os pólos petroquímicos, o sistema de telecomunicações e o maior “boom” de emprego na história do País, que, de acordo com o ex-líder sindical, teria ocorrido exatamente no período de governo do presidente general Emílio Garastazu Médici ? o mais duro de todos.

Se por um lado é bom ver o estadista Lula olhando os fatos sem as viseiras de sempre, também é sintomático que faça tantas concessões apenas por conveniência ? a mesma conveniência que sempre condenou em terceiros encastelados no poder. E isso é apenas o prenúncio de que a estrela vermelha, já maculada por graves denúncias de corrupção na administração de municípios e Estados, que conquistou com a promessa de novos tempos, terá graves dificuldades para apresentar alguma coisa de fato nova chegando em Brasília. Se em campanha exorciza temas e fatos como o MST e a Alca, é justo que se pergunte enquanto é tempo: o PT, assim maquiado para a eleição, será o mesmo no poder?

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