A auditoria de contratos tem por objetivo elaborar um diagnóstico jurídico de conteúdo e oferecer um parecer sobre sua legalidade, licitude e juridicidade.
No atual momento de crise econômica, permeada por erros e fraudes, o verbo controlar ganha crescente e especial destaque.
A percepção que se tem é a de que o controle do conteúdo dos contratos celebrados com clientes, fornecedores, colaboradores (empregados, sócios, terceirizados) e órgãos públicos ganha espaço e força como ferramenta de gestão empresarial.
Somam-se à crise, as alterações legislativas e os rumos das decisões judiciais. Ambos fornecem farto subsídio para o diagnóstico jurídico dos contratos, de modo a que se alcance, com a desejada segurança, um instrumento de direitos e obrigações moderno, pautado, entres outros, pelos princípios da boa fé, do equilíbrio contratual e da função social previstos no Código Civil.
A reflexão aqui proposta reside no diagnóstico dos contratos de viagem, entendidos no seu sentido mais amplo dos personagens envolvidos: o viajante, a agência, a operadora e o governo.
O contrato de viagem precisa estar adequado e capacitado para atender um negócio milionário, em processo vertiginoso de crescimento global.
A recente sanção presidencial da Lei 11771, de 17/9/2008, conhecida como a Lei Geral do Turismo e que disciplina a prestação de serviços turísticos procura oferecer, neste ambiente promissor, melhores contornos para os direitos e obrigações daqueles personagens.
Aos olhos do viajante, a questão que surge desde logo é a de que, sendo a agência uma personagem intermediária do serviço a ser realizado pela operadora em favor do viajante, a quem deve ser imputada a responsabilidade civil por danos ocorridos? Para uma corrente apoiada na relação de consumo estabelecida nos artigos 14 e 51, III ambos do CDC a responsabilidade civil é da agência, enquanto outra corrente em se tratando de intermediária de um serviço conforme prevê o artigo 710 do CC -afasta da agência tal responsabilidade.
Sem a pretensão de propor solução para a questão – destinada ao embate entre advogados do consumidor e advogados do fornecedor do serviço – o propósito da auditoria é o de levar ao contrato auditado elementos que melhor ofereçam segurança jurídica, não para um dos interessados, mas sim, para ambos entregando a eles um instrumento que gere valores recíprocos e sejam informados pelos princípios gerais já mencionados.
Neste contexto, a auditoria procura apontar as deficiências e os riscos que envolvem a redação das cláusulas contratuais que identificam os direitos e as obrigações do contratante e do contratado. A cláusula contratual que, por exemplo, exime a agência de viagens da responsabilidade por serviços não prestados ou que não foram prestados por ela, sob a justificativa de que a mesma incumbe à operadora, é apontada, na auditoria, como “não conformidade”, ou seja, sugere revisão e aperfeiçoamento de sua redação na medida em que a mesma não se mostra adequada, se interpretada como cláusula de consumo. Esta mesma “não conformidade” estende-se à relação com o governo porque poderá gerar procedimentos administrativos (Ministério do Turismo e órgãos oficiais de defesa do consumidor), passíveis de penalidades, graduadas de acordo com a gravidade da falta.
O assunto assume maior importância quando ocorrem acidentes de consumo (v.g. no recente episódio envolvendo falecimento a bordo e intoxicação alimentar de 464 passageiros de cruzeiro marítimo Jornal O Estado de São Paulo de 11/1/2009, caderno C6). Nestes casos uma política transparente e eficaz (elaboração de cartilha de orientação ao viajante e de um acordo de nível de serviços com a cadeia de prestadores de serviços) certamente contribuirá parra mitigação dos riscos não só materiais mas sobretudo os morais( desconforto, abalo e aborrecimento que ficam à mercê da imprevisibilidade do quantum indenizatório), agravados pela inversão do ônus da prova.
Em outra medida, a auditoria sugere a adoção de políticas eficazes de contratação de seguro, tanto do viajante quanto da agência de viagens, de modo que a desejada segurança jurídica ganhe contornos ainda mais bem definidos.
A auditoria também sugere o exame e a revisão do objeto social do contrato societário, diante da regra disposta no artigo 21 da Lei Geral, notadamente para a regularidade cadastral junto ao Ministério do Turismo e para a obtenção de financiamentos.
A auditoria também sugere a adoção de práticas internas de capacitação e de gestão voltadas para o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 34 e para as infrações previstas no artigo 41 e seguintes da Lei Geral.
A prática de se exigir do viajante cópia e/ou número de cartão de crédito exige cautela e transparência, com indicação prévia e precisa dos limites de seu uso.
A oferta e a publicidade dos serviços enquanto parte integrante do contrato na linguagem de consumo pelas hipóteses dos artigos 30 e 36 do CDC – exigem igual cautela, tanto na escrita quanto na imagem, pena de sobre ela também se apontar uma “não conformidade”.
Neste sentido, registre-se a existência do Código de Ética do Agente de Viagens, especialmente a seção IV que trata das relações com os consumidores, disponível na página www.abav-pr.com.br.
A redação proposta para o foro do contrato ainda insiste em ignorar a relação de consumo, submetendo o viajante a um foro diverso do seu domicílio, conquanto muitas das agências identifiquem os contratos como sendo de adesão e redigidos de acordo com o CDC.
Como visto, as deficiências, não só contratuais mas também de procedimento e de comportamento, são rotineiras e rondam as relações empresariais, agravando os riscos e comprometendo os negócios.
Paulo Afonso da Motta Ribeiro é advogado e sócio da Motta Ribeiro Advocacia, atua na área de auditoria jurídica de contratos. www.auditoriadecontratos.com.br