Audiência una trabalhista. Celeridade processual ou justiça imperfeita?

Vários Juízos Trabalhistas, aplicando a literalidade dos artigos 841, 849 e 852-C da Consolidação das Leis do Trabalho, adotam a chamada audiência una nos processos trabalhistas, onde, em um único ato, com comparecimento das partes, a reclamada apresenta defesa e documentos, a parte reclamante se manifesta sobre os mesmos, são produzidas as provas requeridas por cada parte, são aduzidas as razões finais e, por fim, proferida sentença.

Argumentam os adeptos da audiência una que esta é a forma prevista em Lei, além de ser aquela que cumpre os princípios de celeridade processual, concentração dos atos e oralidade, inerentes ao processo do trabalho.

No entanto, a prática tem demonstrado que a audiência una, além de nada contribuir com a celeridade processual, oralidade e concentração dos atos, também se constitui em indisfarçável instrumento de cerceamento de defesa da parte reclamante, que fica em posição processual desfavorável diante da parte reclamada, caracterizando nítida violação a princípios constitucionais de isonomia e da ampla defesa.

Inicialmente vale ressaltar que da audiência una não decorre a rapidez ou celeridade na solução do processo, sendo inegável que o grande volume de demandas trabalhistas e a falta de estrutura da Justiça do Trabalho, não permitem o cumprimento dos prazos previstos pelos artigos 841 (48 horas para notificação) e 852-B, III (15 dias para julgamento no procedimento sumaríssimo) da Consolidação.

E se não há como cumprir os prazos previstos na Lei, não haverá maior rapidez adotando-se a audiência una, vez que segmentando-se o ato, com designação de uma audiência inicial para tentativa de conciliação e recebimento de defesa e documentos, haverá possibilidade de designação de um maior número de audiências em um único dia, com viabilidade para realização de conciliações, diminuindo, em conseqüência, o número de audiências de instrução e coleta de provas.

A segmentação da audiência, com designação de ato inicial para tentativa conciliatória e recebimento de defesa, dá oportunidade não só para o magistrado sanear o processo, como adequar a pauta de audiências para coleta de provas, imprimindo, aí sim, com seu conhecimento e experiência, real e eficaz celeridade ao andamento do feito.

Aliás, é o que a prática tem demonstrado, haja vista que os Juízos que adotam a segmentação da audiência, no mais das vezes, têm conseguido entregar a prestação jurisdicional com maior rapidez.

Já no que toca à concentração dos atos, há muito tempo a audiência deixou de ser una, posto que mesmo concentrando-se os atos de entrega de defesa, manifestações e coleta de provas, os magistrados optam, invariavelmente, por designar nova audiência para prolação e publicação da sentença. É certo que tal procedimento é recomendável e louvável, pois garante ao magistrado tempo de dedicação para o estudo do processo e para a profunda análise das teses e argumentos de cada parte, longe do calor do debate.

Também a oralidade deixou de fazer parte do cotidiano do processo trabalhista, mesmo em audiências unas, pois a leitura da reclamação em audiência, nos termos do artigo 847 da CLT, é sempre dispensada e a defesa, em quase a totalidade dos casos, é entregue na forma escrita, já acompanhada dos documentos.

Portanto, respeitando-se os entendimentos contrários, fato é que a audiência una, de forma alguma, contribui para a celeridade, oralidade e concentração de atos no processo e, por outro lado, maleficamente emprega tratamento diferenciado às partes, em claro prejuízo à defesa dos interesses da parte reclamante.

Sim, porque na audiência una, a parte reclamada comparece para o ato sabedora de qual é a tese inicial, qual é o pedido e a causa de pedir e, principalmente, quais são os documentos em que o reclamante ampara suas pretensões e quais provas terá que produzir para resistir a estas.

De outro bordo, o reclamante vai para a audiência às escuras, sem saber qual será a tese de defesa, quais documentos serão apresentados pela parte ex adversa e, principalmente, sem ter conhecimento do que é controvertido, quais documentos deverá desconstituir e que tipo de prova necessitará produzir.

Nunca é demais lembrar que a audiência se não o mais, é um dos atos mais importantes no processo trabalhista, já que o princípio da primazia da realidade sobre a forma permite que a testemunha convincente se sobreponha como força de prova sobre um documento.

No entanto, como a parte reclamante pode, com segurança, identificar a testemunha que vai precisar para provar este ou aquele fato, se sequer sabe o que está alegando a defesa ou mesmo se esta apresenta documentos que não representam a realidade dos fatos?

A resposta é única: Não pode, pois na audiência una não há essa segurança processual para o reclamante.

É evidente, pois, o prejuízo. A parte reclamante fica em clara posição de inferioridade diante da parte reclamada, sendo necessário se colocar em um jogo de adivinhação, tentando presumir qual será o argumento de defesa para, nos termos do artigo 818 da CLT, indicar provas genéricas que cubram a maioria dos pedidos, as quais, não raras vezes, mostram-se desnecessárias ou impertinentes para solução dos pontos controvertidos.

A Justiça, nestes termos, passa a ser imperfeita, pois não dá a necessária segurança jurídica processual às partes, relegando o reclamante a um plano inferior ao da parte reclamada, violando princípio básico de isonomia e cerceando-lhe o direito à ampla e irrestrita defesa de seus interesses, princípio consagrado pela Constituição Federal (artigo 5.º, LV, CF).

Portanto, já que não há previsão legal para a defesa ser entregue em cartório, é imprescindível, para se fazer Justiça e colocar as partes em igualdade no processo, a segmentação da audiência, realizando-se um ato inicial para tentativa de conciliação (artigo 846/CLT) e, se ausente esta, entrega da defesa, seguindo-se com concessão de prazo hábil para o reclamante se manifestar sobre seus termos e documentos apresentados, para, só então, designar-se nova audiência para instrução e coleta de provas (artigo 849/CLT), onde não só o magistrado, mas também reclamante e reclamado poderão comparecer sabedores e com absoluta segurança do que é controvertido, bem como das provas que competirão a cada um produzir, empregando celeridade ao processo, mas sempre em busca da Justiça perfeita, com atenção inafastável à isonomia e à garantia da ampla defesa das partes.

Alberto de Paula Machado é advogado.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo