Um dos princípios cardeais que informam a Teoria Geral do Processo é aquele que assegura a ampla defesa. Junto com o princípio do contraditório ele compõe o chamado devido processo legal (due process of law). Dada a importância desse enunciado, a sua previsão encontra-se no bojo da própria Constituição Federal, art. 5.º, inciso LV.

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Questão atual e instigante aos operadores jurídicos do direito do trabalho diz respeito à realização de audiência trabalhista una; vale dizer: estar-se-ia ofendendo o princípio constitucional da ampla defesa a imposição de audiência una às partes? Com outras palavras: exigir que o patrono do Reclamante manifeste-se oralmente, e de pronto, acerca de centenas de documentos e dezenas de argüições trazidas com a defesa constitui procedimento razoável ou atentatório ao princípio da ampla defesa?

É certo que o direito positivo prevê a realização de audiência trabalhista em única assentada. Também é oportuno lembrar que, nos termos do art. 849 da CLT, a audiência trabalhista, a rigor realizada de forma contínua, poderá ser adiada para a primeira pauta desimpedida nos casos de força maior. Como se vê, o próprio legislador deixa clara a possibilidade de fracionar a audiência trabalhista. Forçoso concluir que nas demandas complexas, quais sejam aquelas que versam sobre inúmeros pedidos cumulados incidentes sobre questões de fato ou que careçam de demonstração através de prova documental ou pericial, impõem-se o fracionamento da audiência por motivo de força maior aludido no art. 849 da CLT. Nessas circunstâncias, o magistrado não só pode como deve abrir prazo razoável para que a parte se manifeste sobre os documentos carreados aos autos.

De bom alvitre que o prazo de manifestação sobre os documentos seja de 10 (dez) dias a fim de contemplar, nesse interregno, eventual argüição de falsidade de que trata o art. 390 do CPC. De qualquer modo, no mínimo o prazo há que ser de 5 (cinco) dias a fim de se observar a regra do art. 398 do CPC. Procedimento deste, o qual venha exigir a manifestação oral e imediata do Reclamante acerca da robusta e complexa prova documental, violará frontalmente o princípio constitucional da ampla defesa. É humanamente impossível que o reclamante consiga defender-se a contento num exíguo prazo de minutos em manifestação oral acerca de complexa prova documental. Pior do que isso é a prática de impor ao Reclamante uma manifestação apressada e incompleta dos documentos sem a concessão de tempo hábil para o exame acurado da peça de defesa.

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Ademais, não se pode negar às partes o direito a um tratamento igualitário na relação jurídica processual. Logo, se o réu tem a oportunidade de se defender de forma exaustiva e indicar as suas testemunhas já sabendo previamente qual a matéria incontroversa, também deverá ter igual direito o autor, sob pena de ofensa ao princípio do tratamento isonômico.

Como última ratio, não se olvide que quando da colisão de dois direitos fundamentais a solução deve perpassar pelo princípio da proporcionalidade. Assim, quando se está em jogo, de um lado, o prestígio da audiência una e, de outro, o princípio da ampla defesa, deverá o magistrado emitir um juízo de ponderação preferindo o direito de maior grandeza em detrimento do menor. No caso em exame não resta dúvida de que assegurar a ampla defesa ao jurisdicionado é um direito fundamental do cidadão; uma típica cláusula pétrea estampada no rol das garantias individuais de que trata o art. 5.º (inciso LV).

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Com efeito, diante de ações que envolvam pedidos acumulados e complexos, o juiz deve adotar a lógica do razoável e relativizar o princípio da concentração dos atos em audiência, fracionando-a conforme prevê o art. 949 da CLT.

Não se perca de vista que o processo é um instrumento que se serve o Estado para dirimir a lide. Essa concepção instrumental do processo não comporta interpretações transversas que frustrem sua finalidade maior de solver o litígio entre as partes em rito que observe as garantias processuais das partes. A interpretação teleológica e sistêmica deve sempre preferir a exegese meramente gramatical. Assim, o melhor exercício hermenêutico é aquele que esquadrinha as regras processuais à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Mencione-se, por exemplo, a dicção do art. 96, I, alínea ?a? da Constituição Federal que confere aos Tribunais a elaboração de seus regimentos internos ?com observância das garantias processuais das partes?.

Repare que é na mesma esteira da ?impossibilidade? ou ?da falta de razoabilidade? que as partes dispensam a leitura da petição inicial ou mesmo que o juiz deixa de prolatar o julgamento dentro da audiência una. Com efeito, poder-se-ia asseverar que ao assim proceder também haveria ofensa a interpretação literal dos artigos 847 e 849 da CLT. Contudo, dentro da dialética forense ninguém, em sã consciência, exigirá que o magistrado prolate a sentença na mesma sessão da audiência nos casos que haja acumulação de pedidos envolvendo matéria complexa e de difícil apuração probatória. Eis aí um critério objetivo para fracionar as audiências: cada vez que a complexidade do processo tiver o condão de impossibilitar até mesmo o magistrado de prolatar a sentença dentro da própria sessão da audiência, deverá também, sob o mesmo motivo, abrir razoável prazo à parte para manifestar-se sobre os documentos juntados, designando nova data para audiência de instrução.

José Affonso Dallegrave Neto é mestre e doutor pela UFPR; advogado e professor da FIC; membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho.