Para quem nunca assistiu a uma audiência trabalhista, convém explicar como ocorre, tradicionalmente, a tomada dos depoimentos. Inicialmente, o juiz faz suas perguntas ao depoente, e apenas as respostas que o juiz considerar relevantes, serão por ele ditadas para o secretário digitá-las. Depois, o juiz autoriza que os advogados façam perguntas. Mas essas perguntas, curiosamente, não são dirigidas ao depoente, mas ao juiz que, por sua vez, repete-as ou as refaz ao depoente. Somente as respostas que o juiz considerar relevantes serão ditadas pelo juiz e digitadas. E, assim, sucessivamente. Ou seja, apenas o que o juiz ditar será consignado na transcrição do depoimento.
Muito parecido com aquela brincadeira de crianças chamada ?telefone sem fio?, através da qual forma-se um círculo, e uma delas formula uma frase que é dita no ouvido da seguinte, que vai sendo repetida, desta forma, até a última criança. Dificilmente, quando chega ao fim do círculo, a frase é repetida da mesma forma ou com o mesmo significado que foi, por primeiro, formulada.
O sistema tradicional de colheita de depoimentos tem uma infinidade de problemas, que prejudica o registro no processo da realidade do depoimento. Primeiro, porque nunca o depoimento é vertido para o papel exatamente, com as mesmas palavras que foi prestado, seja porque inviável para o andamento das audiência, seja porque o juiz para tornar o texto legível e, com certa correção gramatical, acaba impondo sua compreensão pessoal da fala, esquecendo-se de que aquela compreensão pode não ser a única, nem, talvez, a que mais se aproxime da realidade que se está procurando reproduzir. Evidentemente, o juiz, como ser humano, é caracterizado por uma individualidade única, influenciada pelo meio, contexto socioeconômico, idade, sexo, estado de saúde, nervosismo, estresse, humor, grau de irritabilidade, religião, vícios intencionais ou não, que vão influenciar todo o processo psíquico de percepção, desde a audição do que foi dito, passando pela compreensão e, finalmente, pela verbalização através do ditado. Essa operação psíquica, realizada no calor dos debates não é isenta; não pode ser isenta, porque o juiz é falível, mormente quando pressionado durante a audiência. O magistrado, em decorrência, irá interferir, mesmo que involuntariamente, na autenticidade do depoimento. Segundo, porque permite o abuso de poder do juiz durante a audiência. Não é raro que advogados reclamem de juízes que não consignam das atas informações importantes prestadas pelos depoentes, ou que durante os depoimentos intimidem partes, testemunhas e, até mesmo, advogados.
Constata-se que o sistema tradicional de registro de audiências está dissociado do Estado democrático de direito, onde deve prevalecer a transparência dos atos judiciais, não permitindo, em decorrência, a completa realização da justiça.
O sistema audiovisual dos depoimentos supera esses problemas, pois capta não apenas a fala, mas também a imagem do depoente, que, indiscutivelmente, possui um conjunto de informações que muitas vezes supera a própria palavra (uma imagem diz mais do que dez mil palavras), registrando, como nenhum outro o tom da voz, o gaguejar, o tartamudear, a vacilação, a insegurança, ou a segurança, a convicção, a presteza no responder, o tom jocoso, rancoroso, apaixonado, displicente ou reverente do falar. Essas características de um depoimento são impossíveis de serem resumidas e ditadas pelo juiz durante a audiência, mas são de fundamental importância para a formação do convencimento não apenas do juiz, mas também do tribunal. Ademais, o registro audiovisual torna a audiência mais célere, dinâmica, com evidentes benefícios para a prestação jurisdicional. Não há razão para se degravar os depoimentos, antes de enviar os autos para o tribunal. É que toda a riqueza do depoimento seria perdida com sua redução a termo.
É hora de se eliminar o telefone sem fio das audiências trabalhistas, pois o desenvolvimento tecnológico já permite a adoção, a preço acessível, do sistema audiovisual nas Varas do Trabalho, como ocorre desde setembro de 2006 na 9.ª Vara de Curitiba. Importante não se rechaçar essa importante conquista, por receio de mudança, ou qualquer outro motivo, que impeça sua implantação plena.
Eduardo Milléo Baracat é juiz titular da 9.ª Vara do Trabalho de Curitiba, professor de Direito do Trabalho das Faculdades Integradas Curitiba, mestre e doutor pela UFPR/2002, pós-graduando pela Universidade de Paris II, autor do livro A Boa-Fé no Direito Individual do Trabalho, SP: LTr, 2003.