1. Introdução.
Este trabalho limita-se a apreciar a fase do saneamento do processo, na qual está presente, como parte fundamental, a tentativa de conciliação.
Pretende-se, também, ressaltar que, sendo bem aplicada e conduzida a audiência preliminar, esta se constituirá num notável instrumento para agilizar a prestação jurisdicional, sobretudo neste tempo em que muito se tem recomendado a aplicação do instituto da conciliação, com o objetivo de reduzir a enorme carga de ações existente nos juízos e nos tribunais nacionais.
Não ocorrendo conciliação, apesar de reiteradas tentativas promovidas pelo magistrado, ainda haverá possibilidade de diminuir o tempo do processo, através do “saneamento compartilhado”, porque haverá: fixação “dos pontos controvertidos” (§ 2.º do art. 331) e produção de provas limitada a esses pontos, e, também, redução do número de agravos, porque, das decisões proferidas em audiência, caberá, em regra, o agravo retido (art. 523, § 3.º, do CPC).
2. Desenvolvimento.
2.1. audiência preliminar: saneador.
O “despacho saneador” é um instituto que provém do Direito português. Alguns autores, porém, entendem que a origem é do Direito Romano clássico. Outros encontram as suas raízes nas Ordenações do Reino, no Regulamento n.º 737, de 1850, e até nos Códigos de Processo Civil estaduais.
O Código de Processo Civil de 1939 já consagrava tal instituto jurídico, tendo por finalidade a de limpar, liquidar ou ordenar o processo, e, por objetivo, o de obter “economia, rapidez na marcha do processo, confiança das partes na ação, no sentimento e na inteligência dos juízos”, e “maior rendimento no mínimo de tempo com o menor gasto possível de esforço e de dinheiro”(1).
O Estatuto Processual de 1973, antes da reforma de 2002 (Lei 10.444), dispunha o instituto, no seu artigo 331, denominado “Do Saneamento do Processo”, com esta redação:
“Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes e a causa versar sobre direitos disponíveis, o juiz designará audiência de conciliação, a realizar-se no prazo máximo de 30 (trinta) dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores habilitados a transigir”.
A nova redação daquele dispositivo alteração no caput , e nos ºº do artigo 331 – decorrente daquela reforma, criou, no Código, “a audiência preliminar”, inspirada no Código-Tipo de Processo Civil para a América Latina, que foi idealizado pelo Instituto Iberoamericano de Direito Processual.
Da exposição de motivos do Código-Tipo, Joel Dias FIGUEIRA JR destacou a seguinte passagem, que bem demonstra a importância do instituto:
a audiência preliminar objetiva, efetivamente, o comparecimento do juiz, dotado de autoridade para realizar a atividade de ouvir os litigantes e ser ouvido por eles, realizando-se o verdadeiro processo, como actum triarum personae, onde o magistrado assume a função plena na direção do processo, através da sua presença ativa na condução dos trabalhos, o que requer o conhecimento prévio da causa, isto é, do conflito propriamente dito, com base no material produzido pelas partes na fase postulatória(3).
Note-se que, no caput do artigo 331, foi substituída a expressão “a causa versar sobre direitos disponíveis” por “versar a causa sobre direitos que admitam transação”; e mantido o § 1.º (” Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença”) e acrescentando o § 3.º, este com a seguinte redação:
“Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção de provas, nos termos do § 2.º”.
Portanto, não sendo viável a transação ou ocorrendo uma das hipóteses, relacionadas pelo jurista Arruda ALVIM, a saber:
“a) se a petição inicial não tiver sido liminarmente indeferida; b) se o processo não tiver sido extinto sem resolução do mérito, pela ocorrência de uma das hipóteses elencadas no art. 267, alegadas pelo réu ou conhecidas de ofício pelo juiz, quando possível; c) quando não tenha havido julgamento antecipado da lide, em virtude da ocorrência de alguma das hipóteses do art. 330, proferíveis com base no conteúdo do art. 269, I (art. 330, I), ou art. 319 (art. 330, II); d) se não tiver verificado sentença de mérito baseada no art. 269, incisos II a V, quando se terá resolução do mérito, hipótese que inclui (art. 269, III), para todos os fins, a possibilidade de as partes transigirem, quando isto é viável juridicamente”(4).
Deve o juiz dar andamento ao processo, saneando-o, fixando os pontos controvertidos e deferindo as provas a serem produzidas, antes da audiência (pericial), e na audiência (prova oral: depoimentos das partes e das testemunhas).
É relevante acrescentar que a fixação dos pontos controvertidos sobre os quais a prova deve incidir é uma medida que valoriza o princípio da economia e da celeridade processuais, porque evita a realização de atividades probatórias desnecessárias e inúteis, determinando as questões jurídicas sobre as quais as partes devem concentrar os seus esforços(5)
O ato do juiz de saneamento do processo, no entanto, não se desenvolve somente naquele momento, como fazem crer, tanto o anterior quanto o atual dispositivo legal (artigo 331), basta, para tanto, examinar o § 3.º do artigo 331 conjuntamente com os artigos 324, 325, 326, 327, 329, 330 e 331, todos do C.P.Civil.
Nesse sentido é a lição de Sérgio BERMUDES, em atualização as Comentários do CPC de Pontes de MIRANDA:
o saneamento do processo constitui atividade que o juiz exerce ao longo de todo o desenvolvimento da relação processual, do princípio ao fim. Desde que recebe a petição inicial, ele vai, mediante sucessivos pronunciamentos, escoimando o processo de defeitos, para tornar possível o julgamento. A rigor não existe uma fase de saneamento, mas uma atividade saneadora permanente, que o juiz desempenha, em todas as instâncias, até a extinção do processo pelo trânsito em julgado da sentença, que o encerra. Dir-se-á que essa atividade subsiste à própria extinção, bastando que se imagine, por exemplo, o pedido de levantamento de depósito feito por parte cuja superveniente incapacidade ou representação irregular fará incidir o art. 13 (6).
Logo, a atividade saneadora do juiz não se limita àquela oportunidade, mas, sim, poderá ser exercida em todo o desenvolvimento do processo, o que comprova o poder gestor do juiz na condução do processo.
Sobre a importância desse ato processual, ensina Luiz Rodrigues WAMBIER:
Nessa audiência, o juiz exerce atividade tendente a levar a efeito o princípio da economia processual, pois que limita o campo dentro do qual devem ocorrer as discussões, traça os contornos do objeto da prova, determinando o tipo de prova que deve ser produzida. Esta providência evita que as atividades das partes fujam do eixo do processo, fixado, nessa ocasião, pelo juiz(7).
Cabe anotar, ainda, sobre a decisão de saneamento, que algumas questões a ela relacionadas devem ser examinadas, a fim de melhor orientar o juiz na aplicação de tão importante instituto processual, a saber:
a) se o juiz deixar de apreciar certa questão no tempo oportuno, esta não preclui para a parte, que poderá requer que ela seja examinada pelo magistrado.
b) não sendo apreciadas as matérias de ordem pública, previstas no § 3.º, inciso XI, do artigo 267, do Código de Processo Civil, o juiz poderá reapreciá-las a qualquer momento.
c) quanto aos efeitos do deferimento ou do indeferimento das provas, em audiência ou fora dela, o juiz não poderá indeferir prova antes deferida(8), mas poderá deferir prova antes indeferida, valendo-se do princípio do livre convencimento motivado que lhe asseguram os artigos 130 e 131 do Código de Processo Civil.
2.2. audiência preliminar: conciliação.
Com as modificações, introduzidas pela reforma, o que, na realidade, se buscou foi modificar a sistemática do saneamento do processo e, com isso, criar-se ocasião apropriada para que o juiz efetuasse a tentativa de conciliação, antes do início da fase instrutória(9).
Assim, por se tratar de uma forma de autocomposição do litígio, com a característica de ser provocada pelo juiz, em feito pendente, antes do início da instrução, na qual: Podem as partes transacionar (art. 269, III), isto é, encerrar o litígio, mediante mútuas concessões (CC/2002, art. 840); o réu pode reconhecer o pedido do autor (art. 269, II); o autor pode renunciar o direito em que fundamenta sua pretensão (art. 269,V). Mas pode haver conciliação com o simples acordo que conduza o processo à extinção sem julgamento do mérito, compete ao juiz tentar pessoalmente obter a conciliação, com o objetivo de encerrar, desde logo, o processo.
Atualmente, todos os direitos pleiteados em Juízo que admitam transação podem ser objeto de conciliação. Antes da reforma do artigo 331 do Código de Processo Civil, isto não era possível, porque esse dispositivo previa que a conciliação somente poderia ocorrer no caso de “a causa versar sobre direitos disponíveis”.
Essa limitação legal foi alterada pela nova redação dada àquele dispositivo, que, agora, de forma mais abrangente, menciona que a conciliação é viável se “versar a causa sobre direitos que admitam transação”. Aliás, isto já ocorre, no âmbito do Direito de Família, quando se processa a transação na ação de anulação de casamento, visando transformar esta em separação consensual, muito embora o direito discutido na demanda seja indisponível.
3. conclusão.
A audiência preliminar, oportunizando a conciliação e, na ausência desta, o saneamento compartilhado do processo, constitui um notável instrumento para a agilização da prestação jurisdicional, quer mediante a tentativa de conciliação e, se positivada, com o encerramento da demanda, quer através da realização do “saneamento compartilhado”, evitando-se as provas desnecessárias e com razoável economia de tempo na produção da prova oral, em audiência.
Acontece, porém, que a sua utilização não tem sido satisfatória: por falta maior empenho de parte dos juízes na sua aplicação, forçados, talvez, pelo número excessivo de ações, que lhes são distribuídas diariamente. A prática adotada por alguns juízes no sentido de, na fase da audiência preliminar, determinar a intimação das partes para se manifestarem sobre a possibilidade de acordo e, não havendo a resposta positiva, proceder o julgamento antecipado, ou o saneamento do processo, omitindo a realização da audiência preliminar tentativa de conciliação, fixação dos pontos controvertidos, deferimento das provas, em “saneamento compartilhado” – , não atende ao espírito da lei processual civil.
Portanto, a realização da audiência preliminar é medida que consagra a efetividade, na prestação jurisdicional, bem como o princípio constitucional de que se deve buscar, sempre, “a razoável duração do processo”. Nessa linha de pensamento, mencione-se a recente Resolução expedida pelo Conselho Nacional de Justiça n.º 70 de 18/3/09 -, que foi encaminhada a todos os tribunais nacionais, onde figura, como um dos objetivos do Plano Estratégico Nacional, “Garantir a agilidade nos trâmites judiciais e administrativos”.
Notas:
(1) MILHOMES, Jonatas. Teoria e Prática do Despacho Saneador. Rio de Janeiro: Forense. 1958, p. 2.
(2) FIGUEIRA JR, Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil .São Paulo: Revista dos Tribunais. V. 4, tomo II. 2001, p. 465.
(3) ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Processo de Conhecimento. 12.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 2, p. 460.
(4) CAMBI, Eduardo. A prova Civil Admissibilidade e relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, p. 437.
(5) MIRANDA, Pontes. Comentários ao CPC. 3.ª ed. t. IV , p. 236, nota 4.
(6) WAMBIER, Luiz Rodrigues. A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC) Revista do Processo. São Paulo, n.º 80, out/dez.1995, p. 35.
(7) Em sua obra A Prova Civil Admissibilidade e relevância, Eduardo CAMBI, menciona um exemplo, em que se permite ao juiz indeferir prova já deferida: “a prova pericial pode ser dispensada quando as partes apresentam, mesmo no curso da instrução, documentos elucidativos da questão técnica controvertida (art. 420, par. único, inc. II, CPC)”. Op. Cit. p.444
(8) WAMBIER, Luiz Rodrigues. A audiência preliminar como fator de otimização do processo. Revista do Processo. São Paulo, n.º 118, nov/dez.2004., p. 137.
(9) SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. Processo de conhecimento. Ed. 12.ª São Paulo: Saraiva, p. 600.
Accácio Cambi é conciliador honorário do TJ-PR e pós-graduado em Processo Civil.
