Há, indiscutivelmente, necessidade de combate diferenciado a uma nova criminalidade organizada que é estruturada, hierarquizada, com divisão de tarefas, busca de vantagem financeira, acesso à tecnologia, suporte jurídico e contábil para ocultação de patrimônio e pessoas.
Com o avanço dos anos, foram incrementadas ações policiais contra organizações criminosas de alto poder ofensivo, mas antes desconhecidas do Poder Público, devido à sua grande capacidade de infiltração no Estado (corrupção), na sociedade (simpatia rendida aos que têm uma posição destacada) e influências políticas (lobby), o que confere àquelas uma invisibilidade momentânea e mimetismo social.
O incremento das ações decorreu de inúmeros fatores, como mudança de mentalidade, estratégia policial, ações de inteligência, investimento tecnológico, aumento do efetivo policial, novas instalações para realização de perícias, treinamento e trabalhos em regime de força-tarefa com outros órgãos, como Receita Federal, INSS, Controladoria-Geral da União e Ministério Público.
A Polícia Federal observou, desde cedo, que a apuração delitiva de autoria de um desempregado que rasura a Carteira de Trabalho e Previdência Social (para ganhar mais tempo de serviço para aposentadoria) e a autoria delitiva de uma organização criminosa (que corrompe, sonega tributos, mata, comanda e trafica) devem ser tratadas de forma diversa.
Em operações policiais, tem-se identificado, cada vez mais, o modus operandi das máfias: suborno, coação de testemunhas, destruição de provas.
Ações de grupos criminosos organizados em Minas Gerais (roubo a banco), Rio de Janeiro (falsa blitz, seqüestro, tráfico), São Paulo (idem), Espírito Santo (falência do modelo de Estado, ao tempo da Scuderie Le Cocq), em período recente, levaram o Poder Público a instalar os já idealizados gabinetes de gestão integrada (GGI), nos Estados, na forma do Plano Nacional de Segurança Pública e com repasse de verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), sendo que o do Rio de Janeiro foi instalado agora, em 12.01.2006, com a presença do Ministro da Justiça e do governador do RJ. Há a previsão de instalação (que nada vale sem operacionalização e recursos) de um GGI da Região Sudeste e centros regionais integrados de inteligência.
Ações integradas de gestão e de segurança pública devem ser conjugadas com uma investigação racional, objetiva, desburocratizada, célere e pró-ativa, com foco no delito e não em circunstâncias periféricas, respeitadas as garantias e direitos individuais.
Inicialmente, a Polícia Federal promovia as investigações por ordem de antiguidade, de acordo com os recursos humanos e materiais disponíveis, isso num primeiro momento. Num segundo momento, que se pode chamar de uma segunda fase no conceito de racionalidade de investigação, constatou-se que a repressão local de um delito, sem atuação coordenada, não dava fim à criminalidade verificada, pois havia um movimento ?poça d?água?.
Explico. Quando pisamos numa poça d´água (a poça representando a criminalidade local e a pisada representando a atuação do Estado), no local ocupado pela pegada (atuação do Estado) não existirá mais a poça (crime constatado e reprimido). A criminalidade, contudo, em torno da pegada, continuará existindo, pois os criminosos apenas se deslocaram fisicamente para fugir à ação do Estado.
Daí surgiu a vitoriosa diretiva operacional da Polícia Federal em atuar sempre de forma coordenada, em vários Estados, com efetivo proporcional às dimensões da área de ação, segurança da comunidade e do corpo policial, para impedir que a organização criminosa continue operando atividades ilícitas.
Com o advento da lei de combate ao crime organizado (Lei 9.034/95), houve autorização legal para a seletividade e especialização (terceira fase) de ações da Polícia Federal, isto porque técnicas de investigação especiais como infiltração policial e ação controlada ou entrega vigiada são vocacionadas, inclusive por imperativo legal, prioritariamente ao combate de organizações criminosas.
Inaugurada a fase de ?seletividade? das ações policiais, são criadas, na PF, uma diretoria e delegacias regionais de combate ao crime organizado, delegacias especializadas em prevenção e repressão ao tráfico de armas, crimes financeiros, dentre outras. O ?pool? de magistrados especializados em matéria de associações de tipo mafiosas, na Itália, existe desde a década de 80.
Por iniciativa do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, o Conselho da Justiça Federal editou a Resolução 517, que especializou as Varas Federais de combate à lavagem de dinheiro também em julgamento de ações de organizações criminosas, o que é um grande avanço na mentalidade do Poder Judiciário, que estabelece diferenças claras entre o aparelho do Estado para quem furta melancias ou manteiga, beirando a insignificância ou o desvalor da ação ou resultado, daquele fundamental para acabar de vez com a grande criminalidade detratora da sociedade brasileira.
Melhor integrados, Poder Judiciário, Polícia Federal, Polícias civis, demais órgãos integrantes e gestores da Segurança Pública (art. 144, da CF/1988) e Ministério Público podem contribuir de forma mais efetiva para modificação do atual quadro da segurança pública no Brasil, mas sem olvidar que esse remédio ministrado ao paciente sem escola, saúde, emprego e condições dignas de moradia e sobrevivência, ainda que apresentado um diagnóstico precoce, nada mais é do que um paliativo.
Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de Polícia Federal, professor da Academia Nacional de Polícia e pós-graduado em segurança pública e defesa social.