?Atividade jurídica? e o princípio do livre acesso

A EC 45, que inicia a reforma do judiciário brasileiro, previu o exercício de três anos de atividade jurídica para o ingresso nos quadros da magistratura. É um avanço, sem dúvida. Aliás, os três anos, a meu ver, não servem apenas para que o candidato adquira experiência jurídica, mas para que adquira um pouco mais de experiência de vida e maturidade, mais importantes para o exercício da magistratura, em meu sentir, do que os conhecimentos técnicos avaliados pelo concurso.

Assim, penso que o conceito de atividade jurídica não pode ser interpretado de forma restritiva, a ponto de barrar o acesso de pessoas que reúnem condições para o cargo, porém, formalmente não exerceram a atividade jurídica, caso seja entendida essa como exercício de cargo exclusivo de bacharel em direito.

Explico: nos tribunais existem uma série de cargos de direção, chefia, assistência e assessoramento que não são, por questões legais, privativos de bacharéis. O cargo público só pode ser criado por lei e a lei nem sempre acompanha a dinâmica funcional dos órgãos públicos, cujos servidores, aliás, são impedidos de exercer a advocacia.

Muitas vezes determinado cargo exige conhecimentos jurídicos aprofundados, porém nos quadros do órgão é tido como cargo técnico ou de ocupação por qualquer curso superior. É evidente, assim, que um servidor técnico de um tribunal, formado em direito, que por tal condição é alçado a um cargo de assistente de juiz, por exemplo, que em tese pode ser exercido por pessoa com segundo grau, estará exercendo atividade jurídica relevante. Aos olhos da lei, porém, trata-se de servidor que exerce cargo meramente técnico para o qual não se exige o bacharelado em direito.

Da mesma forma, servidores que trabalham em gabinetes de juízes, ou nas secretarias das varas e cartórios judiciais, e são bacharéis em direito, notoriamente adquirem experiência e utilizam conhecimento jurídico, embora não exerçam formalmente um cargo privativo.

Mesmo em estatais e empresas privadas, nem sempre os quadros para cargo de advogado estão disponíveis, e não são raras as situações em que uma pessoa exerce, de fato, funções que exigem conhecimento jurídico pleno, mas não detém cargo privativo de bacharel.

Lembro que a palavra ?advocacia?, que constava do texto constitucional, no projeto, foi substituída pela expressão ?atividade jurídica?, na clara intenção de alargar a interpretação. Do contrário, além de vedar o acesso aos quadros da magistratura a pessoas com condições para tal, corre-se o risco de enxugamento dos quadros dos tribunais e órgãos da administração pública exclusivamente com pessoas sem curso de Direito e desinteressadas em progredir, eis que um grande incentivo, que era o de adquirir conhecimento e aprimoramento para o ingresso na magistratura, estará barrado.

Tal matéria, anteriormente à Emenda, já era objeto de decisão no STJ:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DA FAZENDA

NACIONAL. PRÁTICA FORENSE. LC 73/93. COMPROVAÇÃO.

– É legítima a exigência de prática forense para o ingresso nas carreiras da Advocacia-Geral da União, mas o seu conceito deve ser interpretado de forma ampla, de modo a compreender não apenas o exercício da advocacia e de cargo no Ministério Público, Magistratura ou outro qualquer privativo de bacharel de direito, como também as atividades desenvolvidas perante os Tribunais, os Juízos de primeira instância e até estágios nas faculdades de Direito, doadoras de experiência jurídica.

– Precedentes.- Segurança concedida. MS6559/DF1999/0082517-9 Ministro HAMILTON CARVALHIDO

Assim, penso que o conceito de exercício de ?atividade jurídica? deve ser amplo, abarcando inclusive os servidores técnicos de tribunais ou os empregados de empresas estatais ou privadas, mas que comprovem ter exercido, pelo prazo exigido na emenda, atividade para a qual o bacharelado em direito é essencial, ou ao menos de grande relevância.

Não me parece razoável que uma pessoa se forme em Direito, desenvolva e aprimore seus conhecimentos, trabalhe por mais de três anos utilizando tais conhecimentos, em inegável benefício para a instituição na qual presta serviços, e então se veja obrigada a ir advogar, ou deixar o cargo e procurar colocação privativa de bacharel em Direito, dentro das formalidades legais dos quadros de cada órgão, para só então poder prestar concurso e ingressar na magistratura, até porque, repito, os três anos não visam apenas o aprimoramento técnico, mas a aquisição de um pouco mais de maturidade para o exercício da função.

Luciano Augusto de Toledo Coelho é juiz do Trabalho, mestrando em Direito Econômico e Social pela PUC/PR., professor do Curso Preparatório da Escola de Magistratura do Trabalho da Amatra IX-PR. 

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