A atividade empresarial no Brasil exige de quem a exerce muito mais do que competência, empreendedorismo e trabalho. Exige também uma desmedida dose de paciência, sobretudo na lida com o Poder Público, e resignação, para continuar trabalhando mesmo diante da pecha, injusta e generalizada, de que são desonestos e aproveitadores.
Ao mesmo tempo que lidam com um cipoal burocrático, agüentam uma escorchante carga tributária e tentam adaptar-se aos desafios do mercado, os empresários enfrentam amiúde acusações das mais diversas, normalmente infundadas, muitas das quais acabam em processos judiciais.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com revendedores de tratores e implementos agrícolas que, entre 2001 e 2004, participaram de licitações realizadas por diversos municípios paranaenses para aquisição, em convênio com o Governo Federal, de equipamentos dessa natureza, as ditas “patrulhas mecanizadas”.
Movido mais por desconfiança do que por provas ou indícios de ilegalidade, o Ministério Público recentemente ajuizou dezenas de ações de improbidade administrativa nas quais acusa as empresas desse setor, seus dirigentes e empregados, a terem, em conluio com autoridades públicas, fraudado tais processos licitatórios.
O principal – e, não raras vezes, único argumento utilizado pelos promotores supõe que as principais fabricantes mundiais de tratores e implementos agrícolas, em conjunto com suas revendedoras e com as autoridades públicas de cada um desses municípios, teriam repartido o estado em regiões e direcionado, de forma fraudulenta, as licitações ocorridas em cada uma delas.
Seria de se imaginar, dada a gravidade das acusações, que essas ações estivessem assentadas em investigações minuciosas e em provas contundes. Mas que nada.
Na maior parte delas, tudo o que se vê é um relatório de auditoria, realizado pela Controladoria Geral da União, indicando que, em cada uma das regiões do estado, houve coincidências entre as empresas licitantes. Nada mais. Nem mesmo indícios de prejuízos aos cofres públicos ou de má-fé dos envolvidos. Pelo contrário, o que se observa é que, na sua grande maioria, os tais equipamentos foram vendidos não apenas abaixo dos preços de mercado, mas abaixo dos valores definidos pelo próprio Governo Federal.
Nada disso importou. Ao invés apurar devidamente os fatos, o Ministério Público preferiu simplesmente ajuizar as tais ações, agindo, senão de forma completamente irresponsável, ao menos imbuído da certeza de que, independentemente do resultado delas, não sofrerá nem seus membros qualquer consequência.
Não atinou sequer que a dita coincidência é, na realidade, uma decorrência do mercado de máquinas e implementos agrícolas, concentrado em poucas marcas, cada qual com revendas cuja atuação não desborda regiões previamente definidas.
É certo que, sem provas e sem a presença de elementos mínimos para caracterizar atos de improbidade (como, por exemplo, conduta dolosa e desonesta, dano ao erário e obtenção de vantagens indevidas), essas ações não serão admitidas pelo Poder Judiciário ou, se admitidas, serão julgadas improcedentes.
No entanto, até que isso ocorra, esses empresários e seus empregados sofrerão as nefastas conseqüências financeiras, psicológicas e econômicas do processo judicial.
Além dos custos de defesa, do tempo despendido e da natural apreensão de tais situações, certamente terão suas imagens tisnadas e passarão a vivenciar os mais diversos obstáculos advindos da pecha de réus.
Isso sem mencionar a possibilidade de acabarem com todo o seu patrimônio indisponível, já que, nesses casos, mesmo sem provas, o Ministério Público vem formulando pedidos de indisponibilidade de bens e de outras medidas constritivas a todos os que, de algum modo, mesmo como prepostos ou representantes, tenham aposto alguma assinatura nos papeis que instruem os processos de aquisição.
Enfim, como bem disse Joaquim Falcão, em artigo intitulado “A pena é o processo”, publicado no Jornal Folha de São Paulo em 08/06/2010, “O processo impõe custos instantâneos ao pretendido réu. Custos muitas vezes maiores do que a incerta condenação legal. Não são impostos pelo juiz nem pela lei. São custos colaterais. Verdadeiras penas sem julgamento”.
Ainda que lidar com essas situações (e seus custos) tenha se tornado parte da faina dos empresários, que as suportam com paciência e resignação, fica a pergunta: em um país que se quer sério, até quando o dever de fiscalização servirá de biombo para atos abusivos e irresponsáveis de agentes públicos, cuja motivação nem sempre é a boa técnica?
Ricardo Hildebrand Seyboth e Diego Franzoni são advogados do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto Advogados Associados.