A fiança em imóveis não está limitada ao prazo determinado no contrato de locação. Este entendimento não está amparado nos termos do artigo 819 do Código Civil e fere a norma expressa no artigo 39 da Lei do Inquilinato.
Nas fianças locatícias salienta-se que, há o entendimento de que esta se prorroga por tempo indeterminado juntamente com o contrato de locação. Entender de forma contrária, limitando a responsabilidade do fiador ao tempo determinado da locação, fere a sistemática da Lei do Inquilinato, principalmente, do que vem expresso no bojo do artigo 39 da referida Lei.
O contrato de locação se prorrogará automática segundo regra do artigo 47 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato). Isso pode se dar de forma verbal ou com prazo inferior à trinta meses. O artigo 45 veda que se conste do contrato a proibição desta prorrogação.
A prorrogação do contrato ocorre por força de lei. Logo este período não pode ser considerado como novo contrato, ou aditamento do contrato existente e, muito menos, que tenha ocorrido sem a participação do fiador. Principalmente se constar do contrato que, em ocorrendo a hipótese legal do artigo 47, a fiança seguirá os rumos da locação.
O fundamento trazido por alguns tribunais que a prorrogação do contrato de locação importa em novação não pode ser aceito. Este entendimento, apenas reforça a crise que assola o trabalho de interpretação e aplicação da lei.
No artigo 360 do Código Civil em vigor consta que a novação é hipótese de extinção de dívida, e não de rescisão de contrato. O nascimento de um novo só tem lugar quando se fala em dívida já existente e não em obrigação contratual. Estas são figuras totalmente diferentes.
A dívida decorre de obrigação contratual não cumprida. Novação, nos termos legais, tem lugar
“….quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior”….
“….quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor…”
ou enfim,
“…quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este”.
Isto é, se fala em novação:
Quando o devedor substitui a dívida por uma nova obrigação.
Quando há substituição do devedor ou do credor e,
Nunca na hipótese de prorrogação de contrato nos termos da lei.
Onde não há substituição de dívida, nem das partes, mas tão somente a extensão do prazo do contrato, mantém-se intactas todas as condições contratadas, segundo norma do artigo 46, § 1.º combinado com artigo 47, ambos da lei inquilinatária.
Assim, todos daqueles que pretendem limitar a fiança não têm amparo jurídico.
Os termos do artigo 39 dispõe, ao tratar das garantias locatícias, que:
“salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.”.
Depreende-se dos termos do referido artigo, uma extensão clara da fiança até a entrega do imóvel pelo locatário.
O artigo em questão diz que as garantias locatícias só não seguirão a locação até o final, se o contrato dispuser de forma diversa. Somente em caso de disposição contratual expressa, no sentido de a fiança ser limitada ao prazo determinado da locação, é que se pode aceitar a ausência de responsabilidade do fiador pelo período de prorrogação.
Segundo artigo 3.º da Lei de Introdução ao Código Civil, não é licito aos cidadãos alegar ignorância da lei para não cumpri-la.
Portanto, não cabe ao fiador alegar que não tinha conhecimento da extensão temporal da fiança prestada. O artigo 39 é claro em determinar a extensão de todas as garantias locatícias, sem exceção, até a entrega do imóvel.
Ainda, na grande maioria dos casos, a norma do artigo 39 vem expressamente repetida e reforçada no contrato, lido e assinado pelo fiador, conforme já aduzido anteriormente.
O argumento de que o artigo 819 do Código Civil não ampara o entendimento ora trazido não pode prosperar. Na ordem jurídica predomina o princípio da especialidade da norma. Sempre que duas ou mais normas tratarem, de forma diversa, a mesma questão prevalecerá a que for específica ao caso.
A regra do artigo 819 é para as fianças em geral. Enquanto que, a regra do artigo 39 da Lei 8.245/91 é específica à fiança locatícia, devendo prevalecer sobre aquela.
Daí porque, o entendimento de que a fiança se limita ao prazo determinado do contrato de locação não merece prosperar. Pois, fere texto expresso de lei, contraria a própria segurança jurídica.
José do Carmo Badaró
é advogado especialista em Direito Imobiliário. badaro@jcbadaro.com.br