Associações Civis: a adequação de seus estatutos frente às alterações trazidas pelo novo Código Civil

Recentes alterações legislativas implicam em necessárias e urgentes providências por parte das associações civis, especialmente no que tange à redação de seus estatutos.

Em 10 de janeiro de 2002, após longos anos em tramitação, foi editada a Lei n.º 10.406 alcunhada de novo Código Civil Brasileiro, que veio a lume para substituir nosso antigo Código Civil, de 1916.

Discussões à parte, o novo Código Civil foi editado com o intuito de atualizar o sistema jurídico brasileiro que disciplina as relações civis, entre particulares, que vinham sendo regradas por diploma quase centenário e, por conta disso, de certa forma afastado da realidade.

Cumpriu sua missão a novel legislação quanto à regulamentação das pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, participantes do festejado Terceiro Setor, especialmente com relação às associações civis. Atento à necessidade de diferençar adequadamente as associações civis das sociedades empresárias, que no Código Civil de 1916 encontravam-se regradas por dispositivos constantes da mesma seção intitulada Das sociedades ou das associações civis, o Código Civil de 2002 alterou a configuração da disciplina das pessoas jurídicas, com mais precisa distinção entre associação civil e sociedade empresária, nas palavras do autor do Projeto de Lei que deu origem ao novo Código Civil, o professor Miguel Reale.

Foi por conta disso que o novo Código Civil destacou as associações para localização apartada das sociedades empresárias (e das sociedades simples), estas dispostas nos artigos 981 e seguintes deste diploma, enquanto aquelas se encontram nos artigos 53 a 61.

A primeira polêmica criada pelo novo Código Civil quando da alteração do regime das associações se encontra já em sua nova conceituação, trazida pelo artigo 53 que dispõe: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. A partir de então, diz-se, ficou limitada a atuação das associações civis de modo a não poderem mais desenvolver atividades econômicas.

A nosso ver não é esse o intuito da norma, e nunca foi consoante o Código Civil de 1916. No regime anterior, a distinção entre sociedades empresárias e associações civis já era explicitamente fundada na natureza econômica das atividades. Aliás, esta era a única nota referente às associa-ções civis constante do antigo Código: o artigo 22 dizia que a extinção de uma associação de fins não econômicos ocasionava a destinação de seu patrimônio a um estabelecimento público de fins semelhantes, enquanto a extinção de uma sociedade de fins econômicos ocasionava a repartição do patrimônio entre os sócios. Ou seja, a distinção já era fundada na existência de fins econômicos nas atividades desenvolvidas.

O que o Código Civil de 2002 fez foi, tão-somente, tornar mais explícita esta distinção, e tanto conseguiu que só agora as vozes se voltam – injustificadamente – contra a redação dada pela lei.

Mas não há motivo para confusão, especialmente após a leitura do artigo 981 do novo Código Civil, que estabelece: “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

A nota de distinção, portanto, para a caracterização da sociedade, é a partilha dos resultados advindos da atividade econômica desenvolvida. O que não podem as associações é dividir o resultado de sua atividade, ou seja, ter fins lucrativos.

Afora isso, louváveis as alterações do Código Civil de 2002 ao esclarecerem questões procedimentais referentes às atividades das associações civis, fixando seu regime jurídico de forma clara.

Dentre estas alterações encontra-se dispositivo referente ao conteúdo do estatuto das associações, que na lei civil anterior não se encontrava expressamente. O conteúdo mínimo exigido no estatuto das associações era, anteriormente, regrado pela Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73), em cotejo com as disposições não expressas do Código Civil de 1916.

Por conta da nova previsão legal incluída pela Lei n.º 10.406/2002, o estatuto das associações deve conter, sob pena de nulidade, os seguintes requisitos que merecem destaque: a denominação, os fins e a sede da associação; os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; os direitos e deveres dos associados; as fontes de recursos para sua manutenção; o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos; as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.

O artigo 2.031 do novo Código Civil é expresso no sentido de que as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de 1 (um) ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência. Tendo em vista que o início da vigência de referida lei se deu, nos termos do artigo 2.044, um ano após sua publicação em 10 de janeiro de 2002, as associações têm até 10 de janeiro de 2004 para adaptarem seus estatutos às exigências do novo Código Civil. Insta lembrar que de acordo com a mesma lei (artigos 59 e 60), a alteração do estatuto deverá ser aprovada por assembléia especialmente convocada para este fim, nos termos do estatuto, e que a aprovação da alteração se dá com a concordância de 2/3 dos presentes à assembléia.

Por conta do exposto, as associações civis devem estar atentas às alterações promovidas pelo novo Código Civil, sendo imperativa a análise de seu estatuto em cotejo com esta nova legislação para fins de sua adequação, sob pena de nulidade de seus atos estatutários.

Leandro Marins de Souza

é advogado, mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR com a dissertação “Tributação do Terceiro Setor no Brasil”.

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