Assalto à população brasileira

Nos últimos dezoito meses começou a se plantar no Brasil uma nefasta política monetária com a substituição da dívida interna pública regulada pelos índices de remuneração dos ativos financeiros, que remuneram a poupança da população brasileira, por títulos cambiais cujos detentores, em sua maioria, são grandes bancos. Passou despercebida por muitos analistas a conseqüência desta opção.

Com certeza, para alguns beneficiários, o resultado final estava desenhado. O que se constata é que quase um terço da dívida mobiliária interna está transformado em dólares. É importante esclarecer que quando o Tesouro Nacional contrai uma dívida interna via emissão de títulos colocados pelo seu preposto -Banco Central -, recebe em reais. Nesse caso, recebe em reais e paga em dólares. Criou-se a Ptax -média da cotação das negociações diárias do dólar comercial, cujo mecanismo é extremamente frágil, a ponto de não se ter um volume proporcional pelo menos ao montante da dívida mobiliária em dólar para fixar-se a cotação do dólar que irá resgatar os títulos cambiais vencíveis no dia seguinte.

O volume diário negociado do dólar comercial está em torno de US$ 300 milhões, sendo que a maioria dos negócios caracteriza-se estranhamente por operações entre instituições; em resumo, troca de boletos de operações. Mas, o estrago que este volume de negociações “forjadas” diariamente por detentores de títulos cambiais interessados em manter a cotação do dólar elevada de uma forma artificial ocasiona no mercado para a população brasileira é imensurável.

Duas causas principais contribuem para o aumento do dólar: uma crise mundial que faz secarem as linhas de créditos para países como o Brasil e as recorrentes incertezas internas. Como justificativa para a desvalorização do Real, usa-se o cenário político interno e outros motivos inventados como uma “cortina de fumaça” a encobrir os verdadeiros interesses.

O lucro dos detentores dos títulos cambiais é espetacular. Num primeiro momento, os exportadores brasileiros acabam ganhando com a valorização da moeda estrangeira. No entanto, a partir do segundo momento, quando se adquire os insumos para a produção interna, bem como implementos agrícolas, o ganho se anula. A população de uma maneira geral sofre perdas alguns meses após a valorização artificial do dólar, já que dependemos de insumos e produtos acabados externos, cujo custos refletem nos índices de inflação.

O presidente da República comentou sobre o saldo espetacular da balança comercial no ano de 2002, com saldo extremamente positivo na diferença entre exportações e importações. Não foi explicado para a população que o saldo da balança comercial elevado, que ajuda no fechamento do balanço de pagamentos, está sendo provocado pelo excesso de antecipações de exportações – prática que neste momento é favorável para o exportador – e pela inibição das importações, já que o empresariado brasileiro está deixando de importar em função do valor irreal da moeda norte-americana.

Os reflexos aparecerão em alguns meses, quando o exportador já tiver feito suas antecipações, bem como pela estagnação do crescimento econômico pela falta de insumos e equipamentos tanto para modernização como para a ampliação do parque produtivo nacional. Tudo isto para remunerar a ganância de detentores de títulos cambiais brasileiros, que foram adquiridos em reais e serão resgatados pela cotação em dólar ditada pelos mesmos através de operações insignificantes que fixam a chamada “Ptax”. Chegou o momento de se apurar com muita responsabilidade as conseqüências futuras que esta política cambial e esta especulação acarretarão ao País e sua população.

Para exemplificar a remuneração absurda que os detentores de títulos cambiais brasileiros estão tendo com a compra de tais títulos adquiridos há um ano, veja-se: considerando um dólar que em setembro de 2001 valia R$ 2,30 e o BC aceitou juros de 12% + taxa cambial, o mesmo foi adquirido na época por R$ 2,05, descontando o juro negociado. Lembrando que o BC recebeu em reais, o mesmo título está sendo resgatado hoje por R$ 4,00, ou seja, uma remuneração de 95,12 % em doze meses, bem diferente do acréscimo salarial do trabalhador brasileiro, bem diferente da taxa de remuneração da poupança interna ( 7%) e muito aquém da média da rentabilidade das empresas brasileiras (10%), cujos agentes é que terão que produzir internamente para pagar a absurda remuneração de especuladores.

Como trata-se claramente de um movimento especulativo com interesse voltado exclusivamente para o resgate de títulos cambiais, caberia uma medida de exceção centralizando o câmbio para tais operações, dando inclusive a opção para os detentores dos títulos de compra de opções cambiais no mercado de derivativos que o BC está autorizado a operar dentro do acordo com FMI. Na última semana, o BC adotou algumas medidas que devem aliviar a cotação, como aumento das reservas, exigências para negociar dólar, redução do teto de operações, cujas conseqüências geram discussões, em especial, tratando-se de transição de governo. O assunto merece ser analisado por todos, envolvendo não só o Poder Executivo, mas incluindo-se a classe política, a sociedade, além do Ministério Público. Aliás, o Ministério Público e o Judiciário precisam de instrumentos para entender este mercado. Mais do que nunca, o próximo Congresso deverá enfrentar o tema relativo ao sistema financeiro, que deve ser meio e não fim, e a chamada “autonomia” e “independência” do Banco Central. Definir o que isto significa e em relação a quem.

Gustavo Fruet

é deputado federal pelo PMDB

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