Oferecida a peça acusatória, diz o art. 55 que ?o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. § 1.º. Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas. § 2.º. As exceções serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 113 do Decreto-Lei n.o 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal § 3.º. Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação. § 4.º. Apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias.
§ 5.º. Se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias, determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias?.
Temos uma disposição absolutamente salutar, já prevista em nosso ordenamento jurídico (art. 514 do CPP, art. 4.º da Lei n.º 8.038/90, art. 43, § 1.º da Lei de Imprensa e art. 81 da Lei dos Juizados Especiais Criminais, além do art. 395 do Projeto de Lei n.º 4.201/01 (24) e também na lei revogada (Lei n.º 10.409/02). Há, efetivamente, uma defesa prévia, anterior ao recebimento da peça acusatória, dando-se oportunidade ao denunciado de contrariar a imputação feita pelo Ministério Público, rechaçando-a e tentando obstaculizar a instauração da ação penal.
O dispositivo determina, desde logo, que se efetive a notificação do denunciado; não se trata de citação, mesmo porque ainda não se pode falar, nesta fase, em acusado ou processo. Renato de Oliveira Furtado assevera que a ?citação não pode ser confundida com notificação e não é possível se falar já em citação quando a denúncia nem mesmo foi ainda recebida?.(25)
A notificação deverá ser feita pessoalmente ao denunciado e, se tiver, ao seu defensor constituído. A resposta deve ser dada em 10 dias, atentando-se para a Súmula 710 do Supremo Tribunal Federal: ?No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem?. Logo, o prazo conta-se da data da intimação e não do da juntada do respectivo mandado aos autos.
Esta resposta preliminar consiste na defesa prévia propriamente dita, bem como na argüição de exceções. Como ensina José Frederico Marques, nesta hipótese ?estabelece-se um contraditório prévio, para que o Juiz profira, com o despacho liminar, decisão semelhante ao judicium accusationis?.(26) O denunciado poderá argüir em sua defesa qualquer matéria, seja de natureza estritamente processual (ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação, por exemplo), como adentrar o próprio mérito da acusação, inclusive postulando a produção de provas que serão realizadas a critério do Juiz. Evidentemente que deve ser dada a esta disposição uma correta interpretação, a fim que não se lhe restrinja o alcance (prejudicando a defesa e o juízo de admissibilidade a ser feito pelo Magistrado), nem, tampouco, elasteça-se-lhe de tal forma o significado que se permita uma verdadeira antecipação da instrução criminal, nos moldes do Juizado de Instrução, preconizado na lei processual penal francesa (sistema bifásico ou misto) que, segundo Hélie (Traité, I, 178, § 539), é ?la loi procédure criminelle la moins imperfaite du mond?.(27)
Será nesta resposta prévia que o denunciado deverá, sob pena de preclusão, arrolar as suas cinco testemunhas. Esta resposta é obrigatória e deverá ser necessariamente subscrita por um advogado (constituído ou nomeado, ou pelo Defensor Público). Entendemos, inclusive, tratar-se de uma nulidade absoluta a sua ausência. Observa-se que em relação ao art. 514 do Código de Processo Penal (que contém disposição idêntica(28), a jurisprudência, apesar de vacilante, assim já decidiu, inclusive o Supremo Tribunal Federal:
?Art. 514 do CPP. Formalidade da resposta por escrito em crime afiançável. Nulidade alegada oportunamente e, como tal, irrecusável, causando a recusa prejuízo à parte e ferindo o princípio fundamental da ampla defesa?. (RT 601/409).
?Art. 514 do CPP. Falta de notificação do acusado para responder, por escrito, em caso de crime afiançável, apresentada a denúncia. Relevância da falta, importando nulidade do processo, porque atinge o princípio fundamental da ampla defesa. Evidência do prejuízo?. (RT 572/412).
O Superior Tribunal de Justiça da mesma forma:
?Recurso de habeas corpus. Crime de responsabilidade de funcionário público. Sua notificação para apresentar defesa preliminar (art. 514, CPP). Omissão. Causa de nulidade absoluta e insanável do processo. Ofensa à Constituição Federal (art. 5.º, LV). (…) Nos presentes autos, conheceu-se do recurso e deu-se-lhe provimento, para se anular o processo criminal a que respondeu o paciente, pelo crime do art. 317 do CP, a partir do recebimento da denúncia (inclusive), a fim de que se cumpra o estabelecido no art. 514 do CPP?. (RSTJ 34/64-5).
Em decisão proferida no dia 13 de dezembro de 2005, a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, ?deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por condenado pela prática do crime tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12), cuja citação para oferecimento de defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 dias, não fora realizada. Entendeu-se que não se assegurara ao recorrente o exercício do contraditório prévio determinado pelo aludido dispositivo legal (Lei 10.409/2002: ?Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias…). Vencida a Min. Ellen Gracie, que negava provimento ao recurso por considerar não demonstrado o prejuízo à defesa, uma vez que a matéria que se pretendia alegar naquela fase fora deduzida em outros momentos processuais. RHC concedido para invalidar o procedimento penal, desde o recebimento da denúncia, inclusive, determinando a expedição de alvará de soltura?. (STF, RHC 86680/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 13.12.2005. Informativo n.º 413).
A 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal também vem entendendo tratar-se de nulidade absoluta:
?Defesa – Entorpecentes – Nulidade por falta de oportunidade para a defesa preliminar prevista no art. 38 da L. 10.409/02: demonstração de prejuízo: prova impossível (HC 69.142, 1.ª T., 11.2.92, Pertence, RTJ 140/926; HC 85.443, 1.ª T., 19.4.05, Pertence, DJ 13.5.05). Não bastassem o recebimento da denúncia e a superveniente condenação do paciente, não cabe reclamar, a título de demonstração de prejuízo, a prova impossível de que, se utilizada a oportunidade legal para a defesa preliminar, a denúncia não teria sido recebida.? (STF, HC 84.835/SP, 1.ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, j. 9.8.2005, DJ 26.8.2005, p. 00028, Ementário Vol. 02202-2, p. 00366).
Repetimos: se o denunciado tem advogado constituído (e o fez, por exemplo, na fase inquisitorial), além de sua notificação, deverá também ser notificado este profissional contratado (afinal de contas, como se sabe, a ampla defesa inclui, além da autodefesa, a chamada defesa técnica ou processual(29). A notificação deste advogado constituído obedecerá ao art. 370 do CPP. Ainda nesta hipótese, não sendo apresentada a defesa preliminar pelo profissional contratado urge que se notifique o denunciado para contratar outro advogado; caso não o faça, que se nomeie, então, um defensor dativo para o mister.
6) A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
Também em cinco dias deve ser proferida a respectiva decisão, não recebendo, rejeitando(30) ou aceitando a denúncia. Se não se sentir suficientemente preparado, do ponto de vista probatório, para proferir esta decisão, o Juiz, poderá proceder à ?realização de diligências, exames e perícias?.(31).
Em seguida, dispõe o art. 56 que, ?recebida a denúncia(32), o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado(33), a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais.? Se se tratar dos crimes tipificados nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37, ?o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo?.(34) Inicialmente, observamos que mais uma vez o legislador descurou-se da diferença entre intimação e notificação.(35)
Por outro lado, como se trata de crime contra a saúde pública(36), a coletividade é o sujeito passivo da infração, podendo ser considerados prejudicados, secundariamente, e em alguns casos, as pessoas que recebem a droga para o consumo que, então, poderão se habilitar como assistentes da acusação, na forma do art. 268 do Código de Processo Penal.(37) Neste sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:
?Mesmo tratando-se de delito contra a fé pública, em que o sujeito passivo é, primariamente, o Estado, secundariamente será sujeito passivo aquele em prejuízo de quem a falsidade tenha sido praticada, tendo legitimidade, pois, para figurar nos autos como assistente do Ministério Público?. (RT 552/308).
Esta audiência de instrução e julgamento ?será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias?. Entendemos que se tratando de acusado preso, em nenhuma hipótese deve ser adiada a audiência de instrução e julgamento que deverá ser realizada na data marcada, salvo se o réu for posto em liberdade. Como se disse acima, o acusado tem direito a um julgamento rápido (nada obstante seguro(38) e sem dilações indevidas(39). A recente ?Reforma do Judiciário? (Emenda Constitucional n.º 45/04), acrescentou mais um inciso ao art. 5.º da Constituição Federal, estabelecendo expressamente que ?a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação?. (inciso LXXVIII).
?Art. 57 – Na audiência de instrução e julgamento(40), após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz. Parágrafo único. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.? Aqui, repetiu-se a disposição contida no art. 188 do Código de Processo Penal. Nos debates orais, havendo assistente, entendemos que o seu advogado terá a palavra após o Promotor de Justiça pelo mesmo período de tempo (art. 271, CPP), aplicando-se analogicamente o art. 539, § 2.º do Código de Processo Penal.
A lei certamente descurou-se de uma tendência moderna em considerar o interrogatório, também e principalmente, como um meio de defesa, realizando-o apenas ao final da colheita de toda a prova, como o fez a Lei n.º 9.099/95 e o Projeto de Lei n.º 4.204/01 que visa a reformar o Código de Processo Penal(41). No interrogatório, deverá o Juiz questionar ao acusado sobre eventual dependência(42). Neste aspecto, note-se que o Superior Tribunal de Justiça decidiu: ?O texto do art. 19 da Lei n.º 6.368/76 é expresso no sentido de aplicar a isenção ou redução de pena, qualquer que seja o crime cometido, ao agente que o praticar em razão da dependência ou sob efeito de substância entorpecente. Comprovado mediante perícia médica que o réu, na data em que cometeu o crime de furto, tinha sua capacidade de autodeterminação diminuída por ser viciado em tóxico, deve sua pena ser reduzida de um a dois terços. A Turma, prosseguindo no julgamento, negou provimento ao recurso?. (REsp 343.600-DF, Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 19/8/2003).
?Art. 58 – Encerrados os debates, proferirá o juiz sentença de imediato, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. § 1.º Ao proferir sentença, o juiz, não tendo havido controvérsia, no curso do processo, sobre a natureza ou quantidade da substância ou do produto, ou sobre a regularidade do respectivo laudo, determinará que se proceda na forma do art. 32, § 1.º, desta Lei(43), preservando-se, para eventual contraprova, a fração que fixar. § 2.º. Igual procedimento poderá adotar o juiz, em decisão motivada e, ouvido o Ministério Público, quando a quantidade ou valor da substância ou do produto o indicar, precedendo a medida a elaboração e juntada aos autos do laudo toxicológico.?
?Art. 59 – Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória?. Obviamente que esta disposição fere a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição(44) e o postulado constitucional da presunção de inocência; sobre este assunto, remetemos ao nosso trabalho intitulado ?O Direito de Apelar em Liberdade?.(45)
Notas:
(24) Sobre este projeto de lei veja os nossos comentários no ?Direito Processual Penal?, Salvador: Editora JusPodivm, 2006.
(25) ?Nova Lei de Tóxicos? Revista Jurídica 295 Maio/2002.
(26) Elementos de Direito Processual Penal, Vol. III, Campinas, Bookseller, 1998, p. 342.
(27) Apud Aury Lopes Jr., in Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2004, p. 165.
(28) Atente-se, tão-somente, para a Súmula 330 do Superior Tribunal de Justiça: ?É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial?.
(29) O defensor exerce a chamada defesa técnica, específica, profissional ou processual, que exige a capacidade postulatória e o conhecimento técnico. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do processo (quando, por exemplo, é interrogado) a denominada autodefesa ou defesa material ou genérica. Ambas, juntas, compõem a ampla defesa. A propósito, veja-se a definição de Miguel Fenech: ?Se entiende por defensa genérica aquella que lleva a cabo la propia parte por sí mediante actos constituídos por acciones u omisiones, encaminados a hacer prosperar o a impedir que prospere la actuación de la pretensión. No se halla regulada por el derecho con normas cogentes, sino con la concesión de determinados derechos inspirados en el conocimientode la naturaleza humana, mediante la prohibición del empleo de medios coactivos, tales como el juramento cuando se trata de la parte acusada y cualquier otro género de coacciones destinadas a obtener por fuerza y contra la voluntad del sujeto una declaración de conocimiento que ha de repercutir en contra suya?. Para ele, diferencia-se esta autodefesa da defesa técnica, por ele chamada de específica, processual ou profissional, ?que se lleva a cabo no ya por la parte misma, sino por personas peritas que tienen como profesión el ejercicio de esta función técnico-jurídica de defensa de las partes que actuán en el processo penal para poner de relieve sus derechos y contribuir con su conocimiento a la orientación y dirección en orden a la consecusión de los fines que cada parte persigue en el proceso y, en definitiva, facilitar los fines del mismo? (Derecho Procesal Penal, Vol. I, 2.ª ed., Barcelona: Editorial Labor, S. A., 1952, p. 457). Sobre o assunto, conferir o nosso ?Direito Processual Penal?, Forense, 2003.
(30) Sobre a diferença entre rejeição e não-recebimento da denúncia, remetemos o leitor a José Antonio Paganella Boschi (Ação Penal, Rio de Janeiro: AIDE, 3.ª ed., 2002, p. 233). Tratam do assunto também Cezar Roberto Bitencourt (Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 109), Marcellus Polastri Lima (Ministério Público e Persecução Criminal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 235) e Eduardo Mahon (Rejeição e Não Recebimento de Denúncia Diferenças Fndamentais, in www.ibccrim.com.br, 27/1/2003).
(31) Nunca é demais lembrar a incoerência na permissibilidade de atividade instrutória pelo Juiz em um sistema que se diz acusatório. Como se sabe, neste sistema estão divididas claramente as três funções básicas, quais sejam: o Ministério Público acusa, o advogado defende e o Juiz apenas julga, em conformidade com as provas produzidas pelas partes. ?Este sistema se va imponiendo en la mayoría de los sistemas procesales. En la práctica, ha demonstrado ser mucho más eficaz, tanto para profundizar la investigación como para preservar las garantías procesales?, como bem acentua Alberto Binder (?Iniciación al Proceso Penal Acusatório?, Buenos Aires: Campomanes Libros, 2000, p. 43).
(32) Apesar do posicionamento amplamente majoritário na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, entendemos que o recebimento da peça acusatória trata-se de um ato decisório (não um mero despacho) e, como tal, deve ser fundamentado (art. 93, IX da Constituição Federal).
(33) Observar os arts. 366 e 367 do Código de Processo Penal.
(34) Como medida cautelar, esta decisão deverá ser fundamentada, demonstrando-se a sua imperiosa necessidade e o fumus commissi delicti.
(35) Tratamos deste tema no ?Direito Processual Penal?, Editora Juspodivm, Salvador, 2007.
(36) Aliás, exatamente em virtude do bem jurídico tutelado é que se mostra ?inadmissível a punição da posse de drogas para uso pessoal, seja pela inafetação do bem jurídico protegido (a saúde pública), seja por sua contrariedade com um ordenamento jurídico garantidor da não intervenção do Direito em condutas que não afetem a terceiros?, como explica Maria Lúcia Karam, em sua excelente obra ?De Crimes, Penas e Fantasias?, Rio de Janeiro: LUAM, 1991. Karam complementa afirmando com absoluta propriedade que a ?aquisição ou posse de drogas para uso pessoal, da mesma forma que a autolesão ou a tentativa de suicídio, situa-se na esfera de privacidade de cada um, não podendo o Direito nela intervir?. (pp. 60 e 128)
(37) Comentando a Lei de Tóxicos anterior, Vicente Greco Filho afirma textualmente que ?não se admite assistente de acusação em ações penais pelos delitos desta lei?, por entender que, no máximo, poder-se-ia ?determinar-se a figura de um prejudicado, como por exemplo na hipótese de alguém ministrar entorpecente a um menor inimputável?, alertando que no sentido técnico não se pode confundir prejudicado com ofendido (Tóxicos, São Paulo: Saraiva, 9.ª ed., 1993, p. 84). Na figura típica do art. 38, por exemplo, o paciente que teve a substância entorpecente ministrada culposamente pelo médico poderia se habilitar como assistente do Ministério Público.
(38) Atentemos, porém, para a lição de Carnelutti, segundo a qual ?se la giustizia è sicura non è rápida, se è rapida non è sicura…?, apud Tourinho Filho, Processo Penal, Vol. 03, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 94.
(39) A propósito, conferir o art. 7.º, 5 do Pacto de São José da Costa Rica – Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, c do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinado em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados em nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente, do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992. Mais uma vez, indicamos a obra de Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró, ?Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável?, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, além do ?O Tempo como Pena?, de Ana Messuti, São Paulo: RT, 2003.
(40) Esta audiência observará as regras da imediatidade e da concentração dos atos processuais. Ainda não foi adotado em nosso sistema processual penal o princípio da identidade física do Juiz, segundo o qual o Magistrado ?que presidiu a instrução deverá proferir a sentença?. (art. 132 do CPC). Por ele, o Juiz que colher a prova deve julgar o processo, podendo, desta forma, ?apreciar melhor a credibilidade dos depoimentos; e a decisão deve ser dada enquanto essas impressões ainda estão vivas no espírito do julgador?. (Barbi, Celso Agrícola, Comentários ao CPC, Vol. I, Rio de Janeiro: Forense, p. 327). Seria extremamente salutar a adoção deste princípio, pois ?a ausência, no processo penal, do aludido e generoso princípio permite que o julgador condene, com lamentável freqüência, seres humanos que desconhece?. (René Ariel Dotti, ?O interrogatório à distância?, Brasília: Revista Consulex, n.º 29, p. 23).
(41) Sobre o assunto, conferir o nosso ?Direito Processual Penal?, já referido.
(42) Mesmo porque, segundo preconiza o art. 45, ?é isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado. Art. 46.º As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Art. 47 – Na sentença condenatória, o juiz, com base em avaliação que ateste a necessidade de encaminhamento do agente para tratamento, realizada por profissional de saúde com competência específica na forma da lei, determinará que a tal se proceda, observado o disposto no art. 26 desta Lei.?
(43) ?Art. 32 – As plantações ilícitas serão imediatamente destruídas pelas autoridades de polícia judiciária, que recolherão quantidade suficiente para exame pericial, de tudo lavrando auto de levantamento das condições encontradas, com a delimitação do local, asseguradas as medidas necessárias para a preservação da prova. § 1.º A destruição de drogas far-se-á por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, guardando-se as amostras necessárias à preservação da prova.?
(44) A Constituição Federal prevê o duplo grau de jurisdição, não somente no art. 5.º, LV (?ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes?), como também no seu art. 93, III (?acesso aos tribunais de segundo grau?). Há anos, o jurista baiano Calmon de Passos mostrava a sua preocupação com ?a tendência, bem visível entre nós, em virtude da grave crise que atinge o Judiciário, de se restringir a admissibilidade de recursos, de modo assistemático e simplório, em detrimento do que entendemos como garantia do devido processo legal, incluída entre as que são asseguradas pela nossa Constituição?. Neste mesmo trabalho, nota o eminente Mestre que ?o estudo do duplo grau como garantia constitucional desmereceu, da parte dos estudiosos, em nosso meio, considerações maiores. Ou ele é simplesmente negado como tal ou, embora considerado como ínsito ao sistema, fica sem fundamentação mais acurada, em que pese ao alto saber dos que o afirmam, certamente por força da larga admissibilidade dos recursos em nosso sistema processual, tradicionalmente, sem esquecer sua multiplicidade?. (Estudos Jurídicos em Homenagem à Faculdade de Direito da Bahia, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 88). Não esqueçamos que a ?adoção do duplo grau de jurisdição deixa de ser uma escolha eminentemente técnica e jurídica e passa a ser, num primeiro instante, uma opção política do legislador?. (Moraes, Maurício Zanoide de, Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 29). O duplo grau de jurisdição tem caráter de norma materialmente constitucional, mormente porque o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que prevê em seu art. 8.º, 2, h, que todo acusado de delito tem ?direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior?, e tendo-se em vista o estatuído no § 2.º, do art. 5.º, da CF/88, segundo o qual ?os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte?. Ratificamos, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque que no seu art. 14, 5, estatui que ?toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.?
(45) ?Direito Processual Penal?, Salvador: Editora Juspodivm, 2006.
Rômulo de Andrade Moreira é promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia. Ex-assessor especial do procurador-geral de Justiça e ex-procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-Unifacs na graduação e na pós-graduação. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Unifacs (Curso coordenado pelo Professor Calmon de Passos). Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da Unifacs. Membro da Association Internationale de Droit Penal, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais -ABPCP. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Autor das obras ?Direito Processual Penal?, Rio de Janeiro: Forense, 2003 (1.ª ed., 2.ª tiragem) e ?Estudos de Direito Processual Penal Temas Atuais?, São Paulo: BH Editora.