O colendo Conselho Nacional de Justiça, chovendo no molhado, houve por bem em editar resoluções que obrigam os juízes de Direito a residirem nas Comarcas sedes de suas respectivas jurisdições, e mais recentemente, em face de profundamente lamentáveis acontecimentos do Estado de Goiás, e determina que os juízes passem a fiscalizar as cadeias públicas, como se este não fosse um seu velho dever de ofício.
Alguns juízes mais audaciosos ou mais humanistas, por várias vezes, em diversos cantos deste país tiveram que tomar a resolução de interditar as cadeias públicas, pelos mais variados motivos, tais como: excesso de população, condições degradantes para o ser humano, precariedade dessas instalações e comida intragável, além de outras menos cotadas.
Para cuidar do gravíssimo problema carcerário já temos o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que vem se esmerando no assunto e o Depen do Ministério da Justiça que nele tem atuando um paranaense, que entende do assunto, o promotor aposentado Maurício Kuehne que vem se saindo satisfatoriamente.
De tempos em tempos, a gloriosa imprensa nacional, aquela que vem cumprindo sua nobre missão de alertar, e vem delatando gravíssimas ocorrências que chocam profundamente, por exemplo, meninas presas em celas repletas de homens, sem que as respectivas autoridades responsáveis sejam sequer molestadas pelo assunto, afinal são autoridades e precisam, justamente por isso, serem responsabilizadas, para que seu nefando exemplo não prospere.
Mas o fato do CNJ intervir em atividade predominante de outro setor mostra apenas que esse órgão, talvez a mingua do que ter que fazer, venha se imiscuir num assunto de que todos falam, e falam mal, sem se importar com o que de difícil acontece nesse meio; por exemplo, as lamentáveis perdas de vidas preciosas dos agentes penitenciários, assassinados em função de sua atuação funcional, como é o caso que recentemente ocorreu em Londrina, bem como as que já vinham acontecendo no vizinho Estado de São Paulo.
A pergunta é sempre a mesma, e a punição dos culpados, parece até que a nossa Polícia não se prontifica a investigar de verdade, pois que ainda não sabe quem foram os autores de tão lamentáveis homicídios; e isso é uma questão vital de segurança, para todos nós.
Afinal quem cuida dos reclusos?
Segundo o respeitado professor Luiz Flávio Gomes: ?O Brasil é o quarto país do mundo no item explosão carcerária. De 1990 até 2008 o crescimento populacional penitenciário foi de 500% (quinhentos por cento). Fechará o ano de 2008 com cerca de 500.000 (quinhentos mil presos)?. (Cfr., pág. 3, do Caderno Direito e Justiça, ed. de 10/2/08, n.º 775.)
Nesse ritmo extraordinário de crescimento, o que se nota é que o Estado já não suporta mais criar tantas vagas prisionais para conter essa enorme população infratora de leis, e aqui sim se faz necessário uma atuação mais enérgica e convincente dos Conselhos, seja o CNJ e, ou, o de Política Criminal e Penitenciária, fazendo com que as respectivas Corregedorias de Justiça Estaduais, intensifiquem a fiscalização do poder jurisdicional dos juízes criminais para que apliquem com maior intensidade as chamadas penas alternativas, para desafogarem os já repletos estabelecimentos prisionais.
A propósito, convém recordar que existe entre nós, no Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Paraná, uma Vara Especializada de Execução das Penas Alternativas, fruto inicial do trabalho do abnegado juiz Rogério Etzel ao tempo da excelente promotora Mônica Louise de Azevedo que teve excepcional seguidora na atual promotora Maria Espéria Costa Moura, onde se realiza um dos melhores trabalhos na matéria existente no País, conforme alerta o culto professor Luiz Flávio Gomes.
Essa posição der vanguarda confronta com a chamada prisão depósito; doutrinariamente já não mais se sustenta nos dias atuais embora, a pressão da comunidade seja pela aplicação de penas cada vez mais severas, com restrições as chamadas penas condicionais, que muito bem renderiam tanto ou mais na efetiva recuperação das pessoas que são presas. Há muitos leigos escrevendo sobre o assunto, na ânsia de fazerem alguma coisa e assim compartirem responsabilidades.
É preciso que o cumprimento das penas alternativas, aquelas que podem ser em liberdade, total ou parcial, mediante condições específicas e personalíssimas que o juiz aplicará, baseado no instrumental de laudos técnicos que as chamadas ciências complementares e interdisciplinares podem contribuir, para que, se faça um trabalho edificante, intenso e de qualidade, apto a resguardar também a dignidade da pessoa presa, os direitos das vítimas, mediante condições capazes e adequadas, que não humilhem o cidadão condenado.
Nessa ótica humanística e realista, se fazem urgentemente necessários, os chamados grupos interdisciplinares, que possam efetivamente atuar, sendo que esses profissionais deverão ser contratados como verdadeiros funcionários devotados a uma causa tão nobilitante como é essa de recuperar delinqüentes, o que é possível e vantajoso para a boa prática penitenciária.
Mas nada de se querer suprir essa necessidade específica de bons e devotados profissionais, invocando a oportunidade de trabalho prestado por voluntários, quer sejam graduados ou estagiários, que apesar de sua boa vontade, podem simplesmente auxiliar a atividade recuperatória, sem querer com isso substituir a obrigatoriedade de se contratarem profissionais já formados, para atuarem nesse setor, e com isso estruturar uma carreira apropriada para esses fins.
A prática de atividades que convirjam para a recuperação do delinqüente, deve ser iniciada desde os primeiros tempos de prisão, mesmo nas cadeias públicas, para que se combata a terrível e torturante inércia a que são condenados os que estão segregados por ordem judicial.
É por demais desumano assistir a degradação por que passam esses reclusos, que nada tem a fazer em estabelecimentos prisionais onde não podem sequer dormir, pois o excesso populacional gera a corrupção, a promiscuidade, a poluição carcerária e todo tipo de desgraça que essa aglomeração costumeiramente possibilita.
Em matéria de execução da pena, é conhecido o brocardo jurídico que diz que para se garantir a boa segurança de todos, é necessário um mínimo de efetiva execução penal, com dignidade e trabalho, contando ainda com a assistência técnica de profissionais das áreas pertinentes, tais como psicologia, pedagogia, serviço social, educação física, artes manuais e muitas outras.
Por isso é preciso lembrar os cantos de Vandré: ?Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer?. Façamos já um trabalho edificante, nas escolas de preparação para a Magistratura, Ministério Público, Advocacia, Defensoria-Geral, e a meio sumida Escola de Formação Penitenciária, pois sem que as novas gerações venham motivadas para esses novos ares de execução da pena, continuaremos a assistir o aleiamento total de nossas principais autoridades públicas vinculadas ao setor, que nada mais fazem do que: ?esperar e esperar?, procedendo como se nada tivessem a ver com esses problemas humanos que são vitais para a segurança da sociedade. Finalizando dizendo com o penalista espanhol Saldanha: Não é preciso matar o homem delinqüente, mas é preciso matar o criminoso que há no homem e que o faz delinqüente!
De nada adianta aumentarmos o número de pessoas presas, pois já as temos em enorme quantidade, sem que trabalhemos o seu íntimo, sem que procuremos reformular o seu modo de vida, sem lhe darmos uma verdadeira possibilidade de se recuperar.
Nilton Bussi é advogado.