A sociedade atual se viabiliza e gira em torno dos contratos, instrumentos fundamentais para a circulação das riquezas e suprimento das necessidades essenciais para a vida. Neste contexto, o Século XX foi pródigo em mudar paradigmas. A moral se transformou adaptando-se aos condicionamentos do uso de novas tecnologias, da urbanização crescente, da comunicação acessível, rápida, fútil e descartável, do consumo intenso e do marketing que dita modismos e regras (além de apontar rumos para um existir hedonista), muitas vezes claramente distanciando as pessoas das formas de viver mais indicadas.
Houve um afastamento de importantes referenciais éticos, passando-se a ignorar limites. Criou-se uma sociedade sem vínculos, seja com os melhores valores, seja com as pessoas. Os seres humanos deixaram de se relacionar entre si, passando a se relacionar com objetos. Os bens materiais, fantasiosamente ligados a uma idéia de felicidade (ter um produto significando ser mais importante, ter sucesso, resolver todos os problemas, afirmar-se, receber reconhecimento dos demais, etc.), transformaram-se em direcionadores e propulsores de hábitos sociais. Prevaleceu o império dos sentidos e das sensações momentâneas em detrimento dos sentimentos. Pela ditadura das marcas, do status conferido pelos bens que se possui e pela sensação de satisfação através do uso de uma infinidade de produtos e serviços de consumo, até a comunicação entre as pessoas passou a ser mediante signos estampados nos objetos que se ostenta. É a famigerada sociedade do hiperconsumo, como intelectuais do porte dos professores Jean Baudrillard e Gilles Lipovetski bem sublinham em seus estudos. Assim, é nesta sociedade consumista que emerge a importância do contrato, ?supervalorizado? em sua dimensão de instrumento viabilizador da chegada dos bens até seus destinatários finais, provimento este que, considerando um universo de mais de 6 bilhões de pessoas que habitam o mundo e precisam satisfazer suas necessidades, já não pode dispensar o marketing e os contratos de adesão, mesmo diante das suas reconhecidas imperfeições, vicissitudes e distorções.
Visualizando esta problemática, o inc. V, do art. 6.º, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) em geral não lança proibições aos contratos em si, mas sim, prescreve providências contra os efeitos desvirtuados que, a qualquer tempo, sejam propiciados por cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e, igualmente, contra os resultados daquelas que se tornarem excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes. E o foco vai além dos aspectos meramente econômicos ou financeiros, incluindo qualquer espécie de encargo que possa decorrer da cláusula e implicar numa modificação ou revisão.
A primeira situação contemplada no dispositivo diz respeito às cláusulas contratuais que sejam predispostas de forma a propiciar desequilíbrio injustificado entre o consumidor vulnerável e inferiorizado e o fornecedor profissional que exerce maior poder na relação de consumo. Neste caso, a cláusula a ser reprimida, quando vem compor o contrato, já surge e se revela desvirtuada, de modo que a previsão estampada na primeira parte da norma não refere à acontecimentos futuros como causadores da injustiça contratual (o que é objeto da segunda parte do dispositivo). A cláusula já nasce e se insere no contrato sendo fonte de injustiça contratual, daí ser um direito básico do consumidor que ela possa ser modificada em favor deste para evitar seus efeitos deletérios quanto ao equilíbrio entre a prestação e a contraprestação. O regime de nulidades estabelecido pelo art. 51, do CDC, tem um papel importante quando não convém que a cláusula redunde em qualquer efeito desde a origem, mas a modificabilidade representa uma valiosa alternativa que, em determinadas situações, tem maior adequação e notória utilidade. Por exemplo: quando a cláusula que prevê juros é legítima (para evitar o enriquecimento sem causa), mas o índice aplicado é inadequado, modificá-lo mantendo a cláusula, é a melhor solução.
Já no que refere a segunda parte do dispositivo ora analisado, temos hipótese em que uma cláusula que era bem formulada quando da contratação, passa a merecer revisão devido aos efeitos causados por acontecimentos posteriores que, durante o desenrolar da contratação, reformularam de forma desequilibradora a realidade das partes no contrato, normalmente em detrimento do consumidor. Não há no dispositivo, uma exigência expressa de que estes fatos modificadores apresentem a característica da imprevisibilidade ou inevitabilidade quando da contratação. Todavia, é implícito que se o fato era previsto tem-se hipótese de aplicação da modificabilidade já antes analisada ou a nulidade do art. 51, do CDC, também já mencionada.
O fato é que o inc. V, do art. 6.º, do CDC, existe para coibir cláusulas que desequilibrem as obrigações das partes no contrato. A pergunta que emerge desta conjuntura é: tal dispositivo pode ser aplicado quando o desequilíbrio vier em detrimento do fornecedor? Embora a polêmica com os consumeristas mais radicais, acredito que sim. É simples: devido ao fenômeno da internalização, quando o fornecedor resta onerado indevidamente através do desequilíbrio propiciado por uma cláusula contratual, este inclui o prejuízo nos preços de seus produtos, socializando este custo. Assim, a proteção contratual como direito básico do consumidor, presta-se a manter o equilíbrio entre a prestação e a contraprestação, protegendo não só as partes contratantes, mas igualmente a coletividade de consumidores adquirentes do produto ou serviço.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.