1. Embora haja certa polêmica sobre a origem das sociedades limitadas, reconhecem os autores que a sua concepção constituiu uma criação intencional do legislador.(1) Diferentemente dos outros tipos societários, que se originaram de práticas costumeiras, as sociedades limitadas foram introduzidas na lei, com uma finalidade específica: proporcionar aos pequenos e médios comerciantes um tipo societário que, de um lado, lhes propiciasse alcançar um regime de responsabilidade limitada pelas obrigações sociais e, de outro, não lhes exigisse o cumprimento das formalidades legais afetas à constituição e funcionamento das sociedades anônimas.(2)
Nessa perspectiva, aproximavam-se das necessidades do comércio de médio e de pequeno porte, já que as sociedades anônimas, dada a sua estrutura mais complexa de constituição e funcionamento, acabavam reservadas aos empreendimentos de maior porte econômico(3).
Decreto 3.708/19:
2. No Direito Brasileiro, as sociedades limitadas foram introduzidas em 1.919, através do Decreto n.º 3.708, sob a denominação de ?sociedades por cotas de responsabilidade limitada?. Logo se difundiram e correspondem, atualmente, à grande maioria das sociedades empresárias regularmente constituídas.
Uma das justificativas para essa propagação do tipo societário está relacionada com o próprio Decreto n.º 3.708/19, que consagrava um texto normativo conciso, com apenas 18 artigos, integrado, na sua maioria, por normas jurídicas de natureza dispositiva. O Decreto n.º 3.708/19, na sua essência, traduzia uma sociedade ?descomplicada?. A sua constituição e o funcionamento não requisitavam maiores formalidades, dispensando a realização de assembléias ou reunião de sócios, em que pese a possibilidade, que estava aberta aos sócios, de adotarem, no contrato de sociedade, a estrutura assemblear, se lhes fosse conveniente.
As sociedades limitadas, nesse cenário, encontraram campo fértil para a sua difusão no âmbito empresarial; mesmo empreendimentos de maior porte econômico, passaram a adotar esse tipo societário, haja vista a flexibilidade que o conjunto de normas eminentemente dispositivas facultava. Em outras palavras, a forma de apresentação do Decreto n.º 3.708, permitindo aos sócios estruturar o contrato de sociedade a ser adotado, segundo os seus próprios interesses, contribuiu decisivamente para o sucesso do tipo societário(4).
Contudo, como não poderia deixar de ser, o microssistema consagrado no referido Decreto apresentava imperfeições. Na doutrina, havia quem se opusesse ao denominado ?laconismo? do texto legislado.(5)
Destas objeções, a mais relevante relacionava-se com o trato das relações jurídicas que se estabeleciam entre sócios majoritários e sócios minoritários. É que, nas sociedades limitadas, predominava o princípio da maioria simples para todas as deliberações societárias, salvo quanto a algumas matérias, de conteúdo restrito, que requisitavam um quórum qualificado. Assim, todas as demais deliberações sociais, mesmo à falta de cláusula contratual específica, estavam subordinadas ao princípio da maioria simples. Extraia-se o princípio da maioria simples a partir da exegese do art. 15 do referido Decreto 3.708, o qual facultava amplamente o exercício do direito de retirada, tendo como pressuposto a dissidência de uma alteração de contrato social, qualquer que fosse o conteúdo da matéria versada(6).
Via de conseqüência, se não houvesse cláusula em contrário, aos sócios majoritários era lícito aprovar o que bem entendessem, mesmo em sessões privadas. Aos minoritários facultava-se o exercício do direito de retirada (art. 15, Decreto 3.708/19). Como exemplo disso, pode-se apontar a alteração de contrato social, assinada apenas pela maioria, cujo conteúdo era suscetível de abranger inclusive a própria exclusão do sócio minoritário (art. 35, VI, Lei 8.934/94; art. 53, VII, Decreto 1.800/96).
Código Civil/2002:
3. Nesse contexto, de aparente satisfação no meio empresarial com a estrutura das sociedades limitadas, sobreveio o novo Código Civil Brasileiro, promulgado e publicado através da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para entrar em vigor um ano depois da sua publicação.
A Lei brasileira, inspirada no Código Civil italiano, promoveu a unificação formal do Direito Privado; ou seja, reuniu, num mesmo diploma legal, as normas gerais de Direito Civil e Direito Comercial. No plano societário, estabeleceu um sistema unificado de tratamento dos tipos societários. Dispôs acerca das sociedades simples, de natureza não empresarial, além dos demais tipos societários. Das sociedades limitadas tratou nos arts. 1.052 a 1.087.
Na exposição de motivos do Código brasileiro, consignou-se a seguinte passagem, acerca das sociedades limitadas: ?Minucioso tratamento dispensado à sociedade limitada, destinada a desempenhar função cada vez mais relevante no setor empresarial, sobretudo em virtude das transformações por que vêm passando as sociedades anônimas, a ponto de requererem a edição de lei especial por sua direta vinculação com a política financeira do país?. Disse-se mais, que o propósito, em relação às limitadas, era rever a matéria, prevendo-se a constituição de entidades de maior porte, facultando-lhes a constituição de órgãos complementares da administração Conselho Fiscal, com responsabilidades expressas, ?sendo fixados com maior amplitude os poderes da assembléia dos sócios?.(7)
Não há dúvidas, pois, de que o legislador pretendeu instituir uma disciplina legal minuciosa que resultasse na ampliação dos poderes da assembléia dos sócios, fortalecendo os direitos dos sócios minoritários. E é justamente nesse prisma, de fortalecer a minoria, que se explica a alteração do regime societário, em relação aos quóruns de deliberação nas sociedades limitadas(8).
Do regime anterior, que consagrava o quorum da maioria simples para deliberação, evoluiu-se para um conjunto de quóruns diferenciados, distribuídos em diferentes dispositivos legais.(9)
Uma primeira questão se apresenta, nesse particular: as disposições do Código Civil, pertinentes às sociedades limitadas, conservariam a natureza jurídica predominantemente dispositiva, que pautava o sistema normativo do Decreto 3.708/19? A tendência atual é no sentido diverso, isto é, de se considerar que somente teriam natureza dispositiva os artigos em que o legislador previu expressamente a possibilidade de adoção de cláusula contratual em contrário(10).
Por aí já se percebe que a mudança de regime jurídico não se limitou à denominação do tipo societário, que passou a ser sociedade limitada, ao invés da anterior ?sociedade por cotas de responsabilidade limitada?.
Ademais, o tratamento minucioso que o Código Civil dispensou às sociedades limitadas revela que foi rompida aquela flexibilidade, característica do sistema anterior e que constituiu o elemento propulsor da propagação desse tipo societário.
De fato, um novo regime jurídico foi instituído, sob bases distintas, consagrando normas jurídicas cogentes e prevendo deliberações assembleares e quóruns qualificados para as matérias pertinentes ao funcionamento das sociedades limitadas. É o caso da alteração de contrato social que, como já se viu, independentemente do seu conteúdo, passou a exigir quórum qualificado de 75% (setenta e cinco por cento).
A isso se soma a introdução de norma de direito transitório, constante do artigo 2.031, que assinava prazo de um ano, contado a partir do início da vigência do Código Civil, para a adaptação das sociedades às disposições do referido Codex. Esse art. 2.031 vem sendo alterado, sucessivamente: com o advento da Lei n.º 10.838, de 30 de janeiro de 2004, prorrogou-se o prazo para dois anos; posteriormente, com a introdução da Lei n.º 11.127, de 28 de junho de 2005, esse prazo foi prorrogado até 11 de janeiro de 2007.
Contudo, no âmbito das Juntas Comerciais, é prática comum exigir-se de sociedades limitadas, constituídas ao tempo em que vigorava a legislação anterior, a alteração de cláusulas do seu contrato social, sobretudo em relação aos quóruns de deliberação, a fim de ajustá-las às disposições do novo Código Civil.
Nesse particular, nos parece que se disseminou uma interpretação equivocada da norma transitória, determinante da adaptação das sociedades já existentes às normas do novo Código Civil (art. 2.031, Código Civil, já referido anteriormente).
A norma transitória:
4. Com efeito, nas decisões administrativas, resultantes do exame de instrumentos de alteração de contrato social de sociedades limitadas, têm prevalecido o entendimento de que a norma transitória obrigaria uma transformação nas sociedades limitadas, exigindo inclusive a adoção dos quóruns qualificados de deliberação estatuídos no novo Código Civil.
A única ressalva que se adotou, aliás em boa hora, diz respeito às sociedades entre marido e mulher, casados sob regime de comunhão universal ou de separação obrigatória de bens. Como é sabido, o art. 977 do Código Civil, passou a vedar a contratação de sociedade entre cônjuges casados sob um daqueles regimes. Contudo, reconhecendo que as sociedades já existentes constituíam expressão de um ato jurídico perfeito, o DNRC-Departamento Nacional de Registro do Comércio, dentro da sua atribuição legal de solucionar dúvidas na interpretação de normas relacionadas com o registro de empresas mercantis (art. 4.º, III, Lei 8.934/94), firmou orientação, editando inclusive parecer jurídico (DNRC/Cojur n.º 125/03), declarando a inaplicabilidade de tal vedação a sociedades já existentes. O fundamento jurídico em que se assenta o referido parecer é, justamente, a proteção ao ato jurídico perfeito.
A ressalva, entretanto, nos parece que deveria ser ampliada, para que a exegese da norma de direito intertemporal não implique violação ao princípio constitucional da segurança jurídica. Em outros termos, propugna-se pela interpretação da norma transitória, determinante da adaptação das sociedades já existentes às normas do novo Código Civil, à luz do Direito Constitucional pátrio, que protege o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada dos efeitos da nova Lei (art. 5.º, XXXV, CF; art. 6.º, Lei de Introdução ao Código Civil).
Para tanto, é indispensável que se faça uma distinção na análise das normas jurídicas, constantes do novo Código Civil, disciplinadoras das sociedades limitadas.
No sistema normativo das sociedades limitadas é possível classificar as regras legais, conforme o seu conteúdo, em duas categorias: normas de estrutura e normas de conteúdo.
Normas de estrutura são aquelas que regulam os aspectos extrínsecos do tipo societário; disciplinam a natureza jurídica da sociedade, o regime de responsabilidade dos sócios e administradores, o direito supletivo aplicável, as alterações do capital social, as demonstrações contábeis obrigatórias, o modo de manifestação das deliberações dos sócios (assembléia ou reunião de sócios), além das formas de ruptura do vínculo do sócio com a sociedade (direito de retirada, exclusão de sócio). As normas de estrutura vinculam-se à regulação do tipo societário propriamente dito e das relações jurídicas da sociedade com terceiros. Como tais, têm efeito imediato, decorrente da vigência da nova Lei e da eficácia derrogatória própria do novel diploma legal. Isso porque não se afigura possível a uma sociedade ficar adstrita a um tipo societário inexistente, ou cuja estrutura se alterou substancialmente. Para essas situações é que, usualmente, se editam normas de direito transitório, assinando-se prazos para a adaptação dos institutos jurídicos já existentes.
Todavia, ao lado das normas de estrutura, apresentam-se as normas de conteúdo, isto é, aquelas que objetivam preencher os espaços delimitados pelas normas estruturantes; têm a sua atuação vinculada aos aspectos intrínsecos da sociedade e das relações jurídicas que se formam no âmbito societário, envolvendo os sócios entre si e os sócios e a sociedade. Pode-se citar, a guisa de exemplo, as normas que versam da cessão de quotas a sócios ou a terceiro não sócio, ou ainda, aquelas que regulam os quoruns de deliberação aplicáveis à sociedade, ou que estabelecem características subjetivas exigíveis dos sócios para a participação em sociedade (proibição de sociedade entre marido e mulher, casados sob o regime de comunhão universal ou da separação legal).
As normas de conteúdo têm, também, efeito imediato e geral. Porém, como não estão diretamente vinculadas à estrutura do tipo societário, podem se revelar inaplicáveis no caso concreto, quando se tem presente, numa determinada sociedade já existente, disposições contratuais, concebidas na vigência da lei anterior, reveladoras de um modo de comportamento diverso. Esclarecendo: se uma sociedade em específico tem, como sócios, cônjuges, casados sob regime de comunhão universal, o que era perfeitamente possível no direito positivo anterior, aqueles sócios têm direitos adquiridos, já incorporados aos seus patrimônios; portanto, o status de sócio não sofre o influxo da norma futura, proibidora da sua presença na sociedade.
Ou ainda, se uma determinada sociedade, nas relações jurídicas entre os sócios, adotava cláusula de maioria simples, para a deliberação sobre todas as questões societárias, qualquer que fosse a matéria a ser considerada, tinham os sócios direito de votar e de fazer prevalecer as suas manifestações dentro daquele quorum, que se revelava perfeitamente possível de ser instituído na vigência do direito positivo anterior.
É nessa perspectiva que se afirma: as normas de conteúdo, por que relacionadas a aspectos intrínsecos do fenômeno societário, não se aplicam a sociedades já existentes onde é possível reconhecer que os sócios pactuaram dispositivo contratual consagrando uma regra de conduta diversa.
O princípio constitucional da segurança jurídica e, notadamente, as figuras do ato jurídico perfeito e do direito adquirido (art. 5.º, XXXVI, CF) respaldam tal afirmativa, assegurando a intangibilidade daquele plexo de direitos, constituído segundo a lei vigente ao tempo da celebração do contrato de sociedade.
Tal orientação encontra respaldo inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que há muito consolidou o entendimento de que: ?Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação em vigor no momento de sua pactuação? (STF- AgR 363159/SP, rel. CELSO DE MELLO, julg. 16/08/05, publ. DJU de 3.2.06, p. 35)(11).
Estabeleceu ainda a Excelsa Corte que ?o disposto no artigo 5.º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva.? (STJ- ADI 493/DF, rel. Min. MOREIRA ALVES, julg. 25.6.92, publ. DJU de 04.09.92, p. 14089).
Conclusão:
5. Concluímos, portanto, observando que o novo regime das sociedades limitadas, instituído pelo Código Civil/2002, implicou em alterações significativas, quebrando aquela flexibilidade que pautava o tipo societário, ao tempo do Decreto n.º 3.708/19. Se, de um lado, a instituição da estrutura orgânica, para as deliberações dos sócios, fortaleceu os direitos dos sócios minoritários, tornando mais transparente a tomada de decisões, de outro, a adoção de quóruns de maioria qualificada, a partir de normas cogentes que não admitem pactuação diversa, tende a engessar o funcionamento das sociedades.
Ao se exigir a maioria qualificada de 3/4 (três quartos) do capital social para a alteração do contrato social, o legislador olvidou-se de que a prática predominante é a adoção do instrumento de alteração de contrato social versando sobre quase todas as matérias societárias, inclusive para abertura e fechamento de filial, ingresso de sócio ou sua retirada da sociedade, dentre outras.
Assim, para que as sociedades limitadas não percam o prestígio que alcançaram ao longo do período em que esteve em vigor o Decreto n.º 3.708/19, de lege ferenda, propugnamos pela alteração da redação do artigo 1.076 do Código Civil, a fim de que passe a consignar: ?Salvo disposição em contrário, todas as deliberações sociais serão tomadas pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social da sociedade?.
Propugnamos ainda, de lege ferenda, pela adoção de uma norma legal que dispense expressamente as sociedades limitadas de pequeno e médio porte, com patrimônio líquido inferior a um determinado valor financeiro, da realização de assembléias ou reunião de sócios, salvo no que toca à exclusão de sócio minoritário que, para ser implementada no âmbito extrajudicial, pelos sócios majoritários, continuaria exigindo a convocação de assembléia ou reunião de sócios, respeitando-se, desta forma, o art. 1.085 do Código Civil.
Finalmente, observamos a necessidade de se ter cuidado na exegese da norma de direito intertemporal, determinante da adaptação das sociedades já existentes às normas do Código Civil, a fim de não importe violação ao princípio constitucional da segurança jurídica e, notadamente, às figuras do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.
Notas
(1) Sobre a origem das sociedades limitadas, pode-se citar: REQUIÃO. Rubens. ?Curso de Direito Comercial?. 25.ª Edição, atualizada por Rubens Edmundo Requião. SP: Saraiva Edit., 2003, vol. I, p. 456/457; GONÇALVES. Assis. ?Lições de Direito Societário?. 2.ª Edição. SP: Edit. Juarez Oliveira, 2004, p. 187 a 190; e MARCONDES. Sylvio. ?Questões de Direito Mercantil?. SP: Saraiva Edit., 1977, p. 18.
(2) Pode-se consultar a esse respeito: CAEIRO. Antônio. ?Temas de Direito das Sociedades?. Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p. 9/11; MARTINS. Fran. ?Sociedade por Quotas no Direito Estrangeiro e Brasileiro?. 1.a Edição. RJ: Forense Edit., 1.960, vol. I, p. 13/21; e ISFER. Edson. ?Sociedades Unipessoais e Empresas Individuais?. Curitiba: Juruá Edit., 1996, p. 55.
(3) Sobre a relação da responsabilidade limitada dos sócios e as situações de livre mercado e de concorrência imperfeita, além de limites econômicos a serem impostos à teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pode-se consultar SALOMÃO FILHO. Calixto. ?O Novo Direito Societário?. 2.ª Edição. SP: Malheiros Editores, 2.002, p. 204/213.
(4) A esse propósito: CARVALHOSA. Modesto. ?Comentários ao Código Civil?. SP: Saraiva, 2003, vol 13, p. 04.
(5) Nesse sentido, dentre outros: MARTINS. Fran. ?Sociedade por Quotas no Direito Estrangeiro e Brasileiro?. 1.ª Edição. RJ: Forense Edit., 1.960, vol. I, n.º 114, p. 317
(6) Escreve ALFRDO ASSIS GONÇALVES NETO: ?A doutrina e a jurisprudência, a partir da disposição contida no artigo 15 do Decreto n.º 3.708, de 1919, depois de alguma hesitação, haviam-se afinado na conclusão de ter sido consagrado o princípio da maioria de capital para as deliberações tomadas pelos sócios da sociedade limitada. De fato, ao contemplar o direito de retirada do sócio que ?divergir da alteração do contrato social? estava esse dispositivo facultando que tal alteração ocorresse sem o assentimento de todos os sócios, isto é, por deliberação majoritária.? (op. cit., n.º 117, p. 266).
(7) SYLVIO MARCONDES, reportando-se ao projeto do Código Civil e ao Livro II, anotou em relação às sociedades limitadas: ?O que estamos vendo aqui, e ainda iremos ver a seguir, é a introdução, na estrutura legal da sociedade limitada, de tudo quanto ela pode e deve ter da configuração da sociedade anônima? (op. cit., p. 20).
(8) FÁBIO ULHOA COELHO escreve a esse respeito: ?Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, era muito simples a disciplina das deliberações dos sócios da limitada: a vontade do sócio ou sócios titulares de mais da metade do capital social era suficiente para qualquer deliberação e a única formalidade exigível era a da alteraçãocontratual arquivada na Junta, quando, evidentemente, importasse mudança do ato constitutivo?. (COELHO. Fábio. ?Curso de Direito Comercial?. Vol. 2. 5.ª Edição. SP: Saraiva Edit., 2002, p. 428)
(9) O novo Código Civil consagrou, basicamente, cinco quoruns de deliberação: (a) unanimidade dos sócios: para deliberações sobre designação de administrador não sócio, enquanto o capital social não estiver integralizado (art. 1.061, CC), transformação de tipo societário, salvo cláusula em contrário (art. 1.114, CC) e mudança de nacionalidade da sociedade – (art. 1.127, CC); (b) maioria qualificada ampla: 3/4 (três quartos) do capital social, para a aprovação das deliberações que envolvam alteração do contrato social, incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou cessação do estado de liquidação (art. 1.071, inicisos V e VI, CC), e cessão de quotas a terceiro não sócio, salvo cláusula em contrário (art. 1.057, CC); (c) maioria qualificada reduzida 2/3 do capital social, quando a deliberação compreender nomeação de administrador não sócio, quando o capital social estiver integralizado (art. 1.061, CC) ou destituição de sócio administrador, salvo cláusula em contrário – (art. 1.063, parágrafo 1.o, CC); (d) maioria absoluta do capital social: 50% mais um do capital social, para deliberações sobre a designação de administradores, por ato em separado, destituição de administrador nomeado em ato separado, remuneração de administradores, quando não prevista no contrato social, pedido de concordata, atualmente, recuperação de empresa (art. 1.076, II, CC); (e) maioria absoluta dos presentes à reunião ou assembléia, quando a deliberação se relacionar à aprovação de contas de administrador, nomeação e destituição de liquidante, ou o julgamento de suas contas, além de outras matérias, previstas em lei ou em contrato, que não exijam quorum mais elevado (art. 1.076, III, CC). Por outro lado, aos minoritários que representem ao menos 1/5 (um quinto) do capital social, o art. 1.066, § 2.º, do Código Civil assegurou o direito de elegerem, separadamente, um dos membros do conselho fiscal e o seu suplente.
(10) Nesse particular, escreve ALFREDO DE ASSIS GONÇALVES NETO: Como já tive oportunidade de observar, não foi feliz o legislador de 2002 ao estatuir quoruns e maiorias distintas para deliberações as mais diversas. Muito melhor revelava-se nisso o regime anterior, que se contentava em fixar o princípio geral da maioria, deixando livre aos sócios ajustar, às suas conveniências, maiorias qualificadas para a aprovação de certas matérias que, na avaliação deles, parecessem mais relevantes.? … Esse quadro agrava-se levando em conta que quase todas essas disposições tem natureza cogente o que significa que às partes não é lícito dispor diferentemente? (op. cit., p. 269).
(11) No mesmo sentido, pode-se referir ainda: RE 201.176-2/RS, 1.ª Turma, rel. Min. CELSO DE MELLO, julg. 10.12.96, publ. DJU de 21.3.97, RT 741/203; RE 204.769/RS, 1.ª Turma, rel. Min. CELSO DE MELLO, julg. 10.12.96, publ. DJU de 14.3.97, p. 6939.
Carlos Joaquim de Oliveira Franco é advogado, professor de Direito Comercial da UFPR.