Se tentarmos pincelar a palavra “futuro” na Constituição Federal brasileira, iremos nos deparar com apenas um resultado. A referência encontra-se no artigo 225 e alude à necessidade de se preservar o meio ambiente para as gerações futuras.

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A preocupação da atual geração em atender essa incumbência ganhou impulso nos últimos anos, especialmente pelos negativos reflexos trazidos pela alteração climática no globo.

O Estado, por sua vez, tomou parte deste movimento, mas não teve condições de aplicar, até o momento, recursos suficientes para fomentar a revitalização ambiental e fiscalizar a sua degradação.

Diante dessa problemática, a alternativa do Estado consistiu em criar e aperfeiçoar mecanismos legais para compartilhar a sua responsabilidade ambiental com o particular.

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Especificamente no que se refere aos imóveis rurais, o Estado, subsidiado pelo importante princípio da função social e ambiental da propriedade, lançou mão, dentre outras, de uma antiga previsão do artigo 16 do Código Florestal: a reserva legal.

A reserva legal pode ser definida como uma limitação administrativa ao direito de propriedade, pois imputa ao proprietário a obrigação de não destruir a vegetação nativa que corresponda de 20% a 80% da sua propriedade, conforme a região do Brasil, devendo ser averbada na matrícula do imóvel. Contudo, pelas mais variadas razões, essa previsão legal foi desprezada ou simplesmente esquecida pelos proprietários de imóveis rurais.

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Para tentar inverter esse contexto, foi publicado o Decreto Federal n.º 6.514/08, que trata das infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, o qual, em seu texto original, previu imposição de multa pecuniária de quinhentos reais até R$ 100 mil para aqueles que deixassem de averbá-la.

Embora o decreto mencionasse que as sanções à falta de averbação da reserva legal entrariam em vigor 180 dias após sua publicação, houve grande contestação dos proprietários de imóveis rurais, no sentido de que seria impraticável atender este prazo, pois para que o Registro de Imóveis a averbe deve-se superar demorado processo administrativo junto a órgão ambiental competente para fiscalização da área, conforme legislação específica de cada localidade.

Em razão deste e de outros questionamentos, o referido decreto foi alterado por outros dois (n.º 6.686/08 e nº. 6.695/08). O primeiro, no tocante à reserva legal, alterou a multa pela falta de sua averbação, passando a corresponder à multa diária de cinquenta a quinhentos reais por hectare ou fração da área de reserva legal, bem como dilatou o prazo para entrada em vigor da sanção quanto à falta de sua averbação, que passou a ser 11 de dezembro de 2009.

Já o Decreto n.º 6.695/08 alterou a redação do artigo 152-A, cujo teor suspende, até 11 de dezembro de 2009, os embargos impostos em decorrência da ocupação irregular de áreas de reserva legal não averbadas e cuja vegetação nativa tenha sido suprimida até 21 de dezembro de 2007, desde que o interessado protocole pedido de regularização da reserva legal junto ao órgão competente.

Tais alterações legais são reflexos da instável política ambiental brasileira, a qual, embora seja proporcionada por interesses opostos bem fundamentados, está colocando em risco, ou pelo menos retardando, a criação de um importante instrumento econômico de auxílio ao meio ambiente. Trata-se do mercado para a compensação da reserva legal.

Para compreender a criação deste mercado, precisa-se lembrar que a reserva legal consiste em limitação administrativa ao direito de propriedade, que, do ponto de vista econômico, representa a imposição de um custo de oportunidade ao proprietário do imóvel, pois este renuncia a um potencial rendimento.

Entretanto, em 2001, a Medida Provisória n.º 2.166-67 (ainda não convertida em lei) alterou o artigo 44 do Código Florestal de forma a permitir aos proprietários de imóveis rurais, nos quais a reserva legal não exista, ou a área preservada como tal seja inferior àquela exigida pelo Código, regularizem-na mediante a compensação “por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento”.

Esse mecanismo, portanto, dá ensejo para que os detentores de área preservada excedente daquela requerida em lei possam comercializá-la, mediante compensação, com aqueles que estejam irregulares.

Tal “comercialização” pode ser feita mediante três modalidades de compensação: 1) aquisição de uma área aprovada pela autoridade competente para fins de compensação; 2) arrendamento de área sob regime de servidão florestal ou reserva legal; 3) aquisição de cotas de reserva legal.

A inovadora terceira modalidade remete ao artigo 44-B que revela a Cota de Reserva Florestal (“CRF”) como “um título representativo de vegetação nativa sob regime de servidão florestal, de Reserva Particular do Patrimônio Natural ou reserva legal instituída voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais estabelecidos no art. 16 deste Código”. Todavia, a implementação deste título ainda depende de regulamentação.

Assim, em um contexto no qual a política pública ambiental busca instrumentos econômicos e normativos para mobilizar e responsabilizar o particular, nasce a possibilidade da criação de mercado de áreas de reserva legal, por meio do instituto da compensação.

Contudo, sua efetiva criação e consolidação mostram-se distantes, pois a instabilidade desta política ambiental, além de afastar propensos investidores, emperra a aprovação de textos legais para regulamentar as matérias ambientais, notadamente àquelas voltadas à criação de “mercados ambientas”, como, por exemplo, o próprio mercado de compensação de reserva legal e o mercado de crédito de carbono.

Vale dizer que os requisitos para a compensação ambiental, previstos tanto no Código Florestal quanto em legislações estaduais, deveriam ser flexibilizados, visando ampliar este instituto de forma a tentar buscar soluções para outros problemas ambientais com o mesmo remédio.

Compensar a falta de reserva legal com investimentos em projetos de despoluição de rios, de captação de energia renovável, de reflorestamento de áreas em outra bacia hidrográfica, de revitalização de mananciais e de programas de incentivo à educação ambiental seriam alguns exemplos de flexibilização.

As futuras gerações, donde quer que ora estejam, certamente, aguardam viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tal como definido na Constituição.

Logo, resta-nos renegar certas inflexibilidades e encontrar caminhos congruentes e equilibrados, que consigam, simultaneamente, atender às necessidades da produção material e manter e revitalizar o meio ambiente.

José Guilherme Gregori Siqueira Dias é advogado especialista em Direito Imobiliário.