A XXVI sessão nacional, de abril a outubro de 2005, do Instituto Nacional do Trabalho, do Emprego e da Formação Profissional do Ministério do Emprego, Trabalho e Coesão Social da França adotou como tema central ?As regulações sociais em metamorfose: atores, conflitos, eficácias?, e incluiu o Brasil como uma das etapas de estudo e debate da questão. De 11 a 21 de maio, a delegação francesa composta de 42 pessoas representando a administração pública, o Parlamento, a imprensa, os sindicatos e empresas percorreu diversas regiões brasileiras e esteve em Curitiba no dia 19 de maio. Segundo o advogado Sandro Lunard Nicoladeli, que coordenou os eventos, os estudos realizados em Curitiba junto a Secretaria do Trabalho, empresas e organizações sociais, possibilitaram o conhecimento das iniciativas no campo da economia solidária e da responsabilidade social das empresas. O intercâmbio também abriu caminho para o detalhamento das políticas desenvolvidas pelo Instituto da França e de outras instituições.
A linha de indagação do Instituto, segundo o texto básico que analisa o tema central, situa-se em uma visão de que ?as normas sociais construíram-se historicamente em contextos territoriais, setoriais e nacionais específicos. O tempo presente aponta para a mudança de espaços, de níveis, de métodos. As normas existentes são cada vez mais diversificadas. A regulamentação, cujo conteúdo se impõe aos seus destinatários (diretivas européias, leis, acordos coletivos) é uma alavanca de ação à qual se adicionam outras formas de intervenções. Os papéis de cada ator confundem-se. Assim, a posição e a função do Estado, por exemplo, são questionadas pelas normas elaboradas e rejeitadas por outros atores de níveis inferiores ou superiores. A diversidade de níveis, dos atores e dos métodos utilizados constitui uma característica essencial para a regulação social e suas evoluções. As interações entre esses diferentes elementos são inúmeras. Cada nível ilustra, da sua maneira, a situação constatada?.
?Na ausência de uma ?governança? mundial, diversos modos de regulação social surgem em cena. A globalização leva a uma unificação dos mercados mundiais de bens, serviços e capitais, e a uma integração crescente da produção em escala mundial, criando a concorrência entre os sistemas sociais. A Declaração de 1998 da OIT circunscreve a base de princípios e direitos fundamentais do trabalho. Sua implementação é seguramente a premissa indispensável para quaisquer verdadeiras governanças, mesmo se uma globalização mais justa e mais abrangente pressupõe o respeito do conjunto de Convenções da OIT. Outras regulações estão em desenvolvimento. Assim, as grandes empresas francesas aderiram maciçamente ao Pacto Internacional das Nações Unidas, lançado em 1999?.
?Por outro lado, os princípios diretivos da OCDE para empresas multinacionais revistos em 2000 prestam-se à promoção do desenvolvimento sustentável do planeta. Na realidade, assistimos hoje a um duplo movimento: a responsabilidade social das empresas implementa, na prática, essas normas e linhas diretivas promovidas pelos poderes públicos mundiais, nacionais, locais e estimula, em contrapartida, novas intervenções normativas. Os referenciais e instrumentos privados mobilizados, também no âmbito da responsabilidade social das empresas, vêm completar esta paisagem ?normativa? difusa e complexa, em movimento em construção?.
Regulação social na Europa: o Instituto exemplifica a condição da regulação social na Europa, como ?exemplo de diversidade de instrumentos e níveis?, no sentido de que ?diferentes modelos nacionais influenciaram a construção social européia. Portanto, a Europa social representa ao mesmo tempo as competências comunitárias e os sistemas nacionais, é uma sedimentação de instrumentos diversos: legislações, normas convencionais de vários tipos, objetivos, indicadores, permutas ?não limitadoras?, no entanto, estruturais. Encontram-se, paralelamente à legislação comunitária, os fundos estruturais, os programas de ação, as linhas diretivas, implementadas pelos Estados-Membros a níveis nacionais (o Método Aberto de Coordenação, Emprego e Proteção Social). A União Européia incentiva a responsabilidade social das empresas. As parcerias sociais européias podem produzir acordos que se tornem normas legislativas ou colocadas em execução de maneira autônoma pelos afiliados nacionais. A Europa social (com a estratégia de Lisboa) representa ainda a busca de uma articulação entre o econômico e o social: um equilíbrio sempre tenso, por um espaço que impõe reformas, adaptações, mas que continua a ser o único conjunto regional com objetivos de equilíbrio entre competitividade e dimensão social?.
O contrato de trabalho e o acordo coletivo: o documento examina, ao nível das nações européias, as prescrições legislativas, assinalando que ?parecem regredir em prol das disposições mais livremente estabelecidas entre signatários do contrato de trabalho ou entre parceiros sociais?. Mas entende que ?o reforço do papel do contrato individual e do acordo coletivo como fontes de Direito do Trabalho é indiscutível. A supressão da lei e do regulamento não é, contudo, evidente. Por um lado, o nível nacional parece ?constrito?entre os níveis europeu e corporativo, por outro lado, esse nível continua a ser, na França, determinante, inclusive quando se trata de derrogar prescrições. O papel das negociações e dos acordos de classes, cuja vitalidade persiste, poderia encontrar novos nutrientes na construção européia?.
Direito Novo: dentro dessa linha de argumentação sobre a questão da Lei e do Direito, o documento reafirma que ?o Direito fundamenta-se mais sobre os processos que sobre a substância, torna-se mais incitante e experimental que imperativo. Sem ir até recorrer a acordos tripartidos ou ?pactos sociais? como em outros países europeus, a França beneficiou-se do desenvolvimento de uma pilotagem harmoniosa do social. Se o nível de regulação nacional continua a ser uma característica francesa, o desempenho dos atores, o conteúdo e, mais ainda a dinâmica das normas, mudaram. Não se trata de constranger o Direito, mas talvez de um Direito novo?.
A empresa e as regras sociais: o texto também centra a sua análise na empresa que ?embora tenha sido um local de elaboração de regras sociais (formais ou morais, como as ações sociais ?paternalistas?), esta criação hoje se tornou importante e mais diversificada: acordos de empresas, inclusive acordos derrogatórios, regulamentos internos, compromissos unilaterais formalizados, códigos de ética e disciplina principalmente para fornecedores se multiplicam, na França e no mundo, tratando de assuntos muito variados, e alguns não são abordados nem pelo Legislativo, nem pelos acordos setoriais, e podem se aplicar a espaços restritos serviço, estabelecimento como a espaços complexos ou muito vastos grupo, dimensão transnacional, redes. Esta situação nova leva a múltiplos questionamentos sobre a articulação entre os diversos níveis normativos, sobre o tipo de compromissos decorrentes, sobre o controle de tais compromissos e o papel dos atores, como sindicatos, poderes públicos e organizações não governamentais?.
Atores, dinâmicas, métodos: Segundo o Instituto, esta pluralidade de níveis possibilita formular diversas questões em relação aos atores sociais e seus papeis, as dinâmicas e seus instrumentos de ação, assim como quanto a eficácia de tais procedimentos. Há uma proliferação de atores em todos os campos da regulação social, quer quanto a empresas, poderes públicos, organizações sociais, cabendo detetar os papeis nessa intervenção e a interligação necessária para consolidar ações sociais com eficácia, dentro de dinâmicas que se apresentam cada vez mais inéditas e intrigantes, segundo métodos que se alternam entre os tradicionais e os alternativos.
Observações: Em um país como o Brasil, com tantas diferenciações no campo econômico-social e com profundas desigualdades, a questão das regulações sociais têm um sentido primeiramente político, ligado às propostas em andamento no campo da solução de problemas especialmente quanto a geração de emprego e de renda, nas condições de salário e de trabalho, nas afirmações da cidadania e nas condições gerais de vida, em especial as possibilidades de educação e de saúde.
O poder público exerce papel fundamental em uma sociedade como a nossa, pois depende dele a aplicação de recursos em setores que necessitam dinamizar suas atividades. Nas empresas reside também amplo potencial humano e material para iniciativas de construção de novos modelos de crescimento social sustentável. E, finalmente, nas organizações sociais, em especial as sindicais e comunitárias, a possibilidade de agregação nestas ações, visando a formação de um tripé fundamental para a eficácia e o êxito das iniciativas e empreendimentos.
Edésio Passos é advogado e ex-deputado federal (PT/PR).
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