Obter uma fatia de verba publicitária do governo é, segundo confessam seus líderes, um dos objetivos perseguidos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, desde que Lula subiu a rampa do Planalto. Querem reforçar a estrutura de comunicação montada à revelia da lei, como acontece nas invasões. Além de panfletos, jornais e revistas, e de computadores com internet banda larga, o movimento tem um sem-número de emissoras de rádio, todas clandestinas, como convém, cuja operação e manutenção exigem recursos. O governo, segundo dizem, precisa democratizar a distribuição da verba publicitária de que dispõe.
Parte desse objetivo já foi conseguido. A última edição da “Revista Sem Terra” circulou com um anúncio da Caixa Econômica Federal na contracapa. Mas a briga maior do MST é conseguir dinheiro para a rede de rádio, que, sem licença do Ministério das Comunicações, é operada em todo o País para fins diversos. No abre-e-fecha das estações, nem mesmo o movimento, que paralelamente luta pela legalização da iniciativa, sabe quantas são. As emissoras do MST cumprem papel importante na estratégia da organização, trazem a voz do acampamento para as cidades, mas elas interferem em faixas comerciais de transmissões autorizadas.
Para o senador paranaense Álvaro Dias, que preside a CPI Mista da Terra, a concessão de verba pública a veículos de comunicação do MST constitui um precedente “extremamente perigoso”. A rede de comunicação alternativa montada pelo movimento pode ser, segundo ele, mais uma forma de instrumentalização política dos sem-terras, cuja vinculação com o PT é notória. Seria uma poderosa ferramenta de apoio ao partido nas próximas eleições. Mesmo que assim não seja, fica difícil discordar do senador quando ele afirma que o dinheiro público tem de ser aplicado em outras prioridades, como a reforma agrária.
A visão dos políticos do PT, entretanto, é diversa daquela de Alvaro Dias. O relator da mesma CPI, deputado João Alfredo, sustenta a tese da democratização dos meios de comunicação de massa. Assim, se há publicidade oficial na chamada grande imprensa, por que não se pode aplicar dinheiro público também na mídia alternativa?
A seguir-se o caminho apontado, amanhã competiria ao governo também manter, ou apoiar nas mãos do MST e de suas lideranças, uma rede paralela de televisão e… de telefones celulares de última geração. Comunicação é comunicação e, dadas as dimensões territoriais brasileiras, melhor se fossem setelitares. Afinal, em nome da democratização dos meios de comunicação, isso é apenas o começo de uma luta pelo domínio (ou mesmo invasão?) de satélites. E o pessoal do MSS (Movimento dos Sem Satélite), para cumprir seu papel, dependeria de outros instrumentos, como, por exemplo, naves interplanetárias. Alternativas, é claro.
Com todo respeito à respeitável tese, há que se verificar, entretanto, uma questão básica antes de se admitir a partilha dos recursos publicitários oficiais em nome da democracia. Uma emissora clandestina de rádio é, como o nome já diz, clandestina. Nada tem a ver com imprensa ou mídia alternativa. E se é clandestina, desafia a lei, em cujo império toda democracia é construída. Daí, conceder recursos públicos a uma emissora clandestina, seja ela do PT, do MST ou de quem quer que seja, é não apenas concordar com a ilegalidade, mas incentivá-la.
Convém, portanto, que o debate sobre a concessão ou não de recursos oficiais para a rede “alternativa” de comunicação montada pelo MST seja sobrestado. Antes dele, deve-se analisar um outro tema – aquele da regulamentação das emissoras populares consideradas clandestinas. Sem isso, o Planalto estaria cometendo um equívoco ainda maior que aquele que não disfarça a simpatia do atual governo com invasores e invasões da propriedade alheia, pública ou privada.