Dando continuidade à atualização do Código de Processo Penal, por meio de modificações pontuais, o legislador brasileiro editou, no limiar de 2007, a Lei n.º 11.449, que dá nova redação ao art. 306 e traz importantes inovações.
Primeiramente, resta clara a intenção de se ajustar as disposições da lei processual a respeito de prisão em flagrante ao que estabelece a Constituição da República. Reproduzindo fielmente o contido no art. 5.º, LXII, da Carta Magna, o caput do novo art. 306 estampa: ?A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada?.
A contar do momento da prisão, tem a autoridade policial 24 horas para encaminhar o auto ao Juízo competente, com todas as oitivas que dele devam fazer parte, segundo o novo § 1.º do artigo em estudo. Esse dispositivo encerra, finalmente, qualquer discussão que ainda possa haver a respeito do prazo em que o auto deve ser enviado ao Juiz de Direito. A fixação desse prazo, anteriormente, dava-se pela analogia estabelecida com o período previsto para a entrega da nota de culpa as mesmas 24 horas. Se havia algum entendimento diverso, agora não há mais razão para persistir.
Uma pergunta, contudo, surge da análise da nova redação do art. 306: impôs a lei duas obrigações, quais sejam a comunicação imediata ao Juiz de Direito e, posteriormente, a remessa do auto, no prazo de 24 horas a contar da prisão? Em outras palavras: deve-se primeiro comunicar a prisão e, depois da formalização do auto, encaminhá-lo ao Juízo competente? Muito embora a primeira leitura do dispositivo aponte para essa interpretação, havendo, inclusive, opiniões nesse sentido(1), parece-nos que não foi essa a intenção do legislador.
Entendemos que a comunicação imediata deve ser feita à pessoa da família do preso ou outra que ele indicar, incluindo seu advogado, se assim for manifestado por ele. Isso para dar notícia de seu paradeiro e para que se possa prestar-lhe a assistência que deve ter nesse instante, amparando-se na legislação vigente. A comunicação imediata ao Juízo, quando da prisão, serviria apenas para literalmente ?comunicá-la?, uma vez que o Magistrado, nesse momento, não contaria com elemento algum para verificar a legalidade da medida, ou seja, seria atitude inócua.
Como se sabe, a prisão em flagrante é a única em que o controle da legalidade é feito posteriormente pelo Juiz de Direito, já que as outras modalidades de prisão cautelar exigem a expedição de mandado pela autoridade judiciária competente, antes da efetivação da custódia. Sem o auto de flagrante em mãos, nada em termos práticos poderá ser feito, até mesmo porque o Juiz de Direito não poderá (nem deverá) dirigir-se à Delegacia de Polícia para acompanhar toda e qualquer lavratura de auto de prisão em flagrante de que tenha sido comunicado, mormente nas grandes cidades, onde o número de ocorrências atinge proporções assustadoras.
Somos do entendimento, portanto, de que a remessa do auto ao Juiz de Direito competente, no prazo de 24 horas, é suficiente para atender à exigência da ?comunicação imediata? imposta pela nova lei e anteriormente já prevista na Constituição da República. Repita-se: somente com o auto formalizado é possível o controle judicial.
A inovação mais importante, porém, consta da parte final do mesmo § 1.º, com a imposição legal de se encaminhar à Defensoria Pública cópia do auto de flagrante, caso o preso não tenha declinado o nome de seu advogado. Trata-se de salutar medida para conferir assistência jurídica na fase inquisitorial ao preso que não tenha advogado constituído e, principalmente, que não tenha condições de constituir um. Qualquer ilegalidade ou inobservância de formalidade poderá, de plano, ser argüida pelo defensor, sem prejuízo, é claro, do dever de ser rechaçada de ofício pelo Magistrado.
Cabe, então, nova pergunta: se a autoridade policial não encaminhar cópia do auto para a Defensoria Pública no prazo de 24 horas, poderá ser relaxada a prisão em flagrante? Entendemos que sim, pois essa espécie de custódia cautelar, por não contar com exame prévio de legalidade, como dito anteriormente, está sujeita à observância irrestrita de todas as formalidades que compõem a elaboração do auto e a sua posterior remessa ao Juízo e agora também à Defensoria. Deixar de comunicar o órgão defensório é deixar de cumprir formalidade essencial, tal qual a ausência de entrega de nota de culpa ao preso, no prazo idêntico de 24 horas. Enseja, pois, o relaxamento da medida privativa da liberdade.
Não se pode deixar de comentar que o legislador, ao tornar obrigatória a comunicação mencionada, ousou quebrar uma longa tradição de nosso Direito, no que tange à participação de defensor na fase policial da persecução penal. Poderia, contudo, ter ousado um pouco mais, a nosso ver, tornando obrigatória a assistência de defensor quando do interrogatório policial, notadamente no bojo do próprio auto de flagrante, a despeito das dificuldades práticas que eventualmente poderiam existir. De qualquer forma, foi dado passo importante para a efetivação da defesa do indiciado, em momento crucial: o início das investigações. Esse passo é mais uma contribuição para a concretização de um processo penal garantidor dos direitos individuais.
Notas:
(1) V.g. CRUZ, Rogério Schietti M. A otimização, ainda tímida, da assistência de advogado ao preso. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 172, p. 17, mar. 2007.
Flávio Cardoso de Oliveira é advogado e professor de Direito Processual Penal no Complexo Jurídico Damásio de Jesus.