As novas competências da justiça do trabalho

Pós-emenda constitucional 45, de 8/12/2004 (DOU 31/12/2004), que alterou o art. 114 da CF/88, sobre a competência da Justiça do Trabalho, continuam os desafios ao Judiciário na análise das várias faces do novo texto. Relação de trabalho, greve, representação sindical, mandados de segurança, habeas corpus, habeas data, conflitos de competência, ações indenizatórias, ações relativas a penalidades administrativas, dissídios coletivos de natureza econômica, execução de contribuições sociais são os pontos elencados. E desde logo chamou a atenção dos intérpretes que, antes desta enumeração, a norma constitucional estabelecia a competência da Justiça do Trabalho em ?conciliar e julgar? e, agora, basta dar primazia ao ?processar e julgar?, e a conciliação característica marcante do ramo trabalhista – é linha secundária, ou quase esquecida. Ou seja, a marca histórica da precedência da conciliação em relação ao processo e julgamento, já não sendo mandamento constitucional, está fragilizada.

No plano do direito coletivo do trabalho, a competência dirige-se, em especial, às ações que envolvam o direito de greve (art.114,inciso II). No caso de atividade essencial, o Ministério Público poderá ajuizar dissídio coletivo (parág. 3.º). Mas a negociação coletiva, se frustrada, possibilitará, facultativamente, a eleição de árbitro (parág. 1.º), como no texto anterior, letra morta enquanto não houver regulamentação legal, em detrimento de um dos instrumentos mais efetivos no que concerne à solução dos litígios coletivos. Se ocorrer recusa à arbitragem o que sucede sistematicamente pelos empregadores – o dissídio coletivo de natureza econômica somente poderá ser ajuizado ?de comum acordo? entre as partes (parág. 2.º), possibilitando julgamento do conflito ?respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente?. Esta condição consensual para ajuizamento do dissídio coletivo, extinguiu as ações coletivas para o estabelecimento de normas salariais e de trabalho às categorias profissional e econômica, em vista da orientação do TST e dos Tribunais Regionais em determinar a extinção da ação sem julgamento do mérito, na medida em que os empregadores e sindicatos patronais também sistematicamente negam a concordância ao julgamento. Apenas alguns magistrados, isoladamente, têm derrubado a norma inconstitucional.

Mas já as ações por indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho se situam no universo trabalhista, gradativamente afastadas as dúvidas que tornavam a matéria controvertida nos Tribunais. Ainda há a previsão em relação a ?mandados de segurança, habeas corpus e habeas data quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição?, e diante dos ?conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista?, avançando significativamente para ?as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho?, questões de execução de multas em favor do tesouro nacional, atribuindo ao juiz do trabalho papel arrecadador.

Outra inovação é a competência face as ações de representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores, antes competência da Justiça Comum, matéria que envolve relativa complexidade diante de grande número de litígios onde trabalhadores e empregadores disputam o espaço sindical, na qual os magistrados do trabalho ainda estão descobrindo os caminhos jurídicos às soluções diante das disputas existentes. No que concerne à competência face as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, limita-se ao plano do direito individual, pois a matéria coletiva sofre restrição quase absoluta, ainda mais que decisão do STF, em ação de inconstitucionalidade, é que definirá os rumos da aplicação da norma constitucional.

Outras relações de trabalho

Campo minado tem sido a análise das ?outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei? (inciso IX). Sobre este ponto, assinalo a excelente a fundamentação da desembargadora federal do TRT.PR, dra. Marlene Teresinha Fuverki Suguimatsu, constante em acórdão no qual enfatiza na ementa: ?Justiça do Trabalho. Ampliação da competência. A ampliação da competência da Justiça do Trabalho deve ter interpretação ampliativa, no sentido da absorção de toda forma de prestação de trabalho humano e não apenas o trabalho subordinado que caracteriza a relação de emprego. O principal fundamento é o de que não se pode negar aos trabalhadores, empregados ou não, a eficácia dos princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho em igual medida, o que também significa dizer, pelo mesmo órgão julgador. Admitir que esferas distintas do Poder Judiciário apreciem conflitos que, na essência, têm a mesma origem, permitiria valorações diversas e possivelmente conflitantes, em prejuízo à garantia de todos os trabalhadores, empregados ou não, de obter do Poder Judiciário resposta às demandas ajuizadas, da maneira mais eficaz e uniforme possível. Ainda que a interpretação literal não seja a melhor forma de extrair o sentido da norma, o dispositivo constitucional do art. 114,I, não contempla ressalvas quanto às relações de trabalho que devam ser processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho. E, se o texto da lei não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo. A única exigência da norma constitucional é que se averigúe se o conflito decorreu de efetiva relação de trabalho, por suas variadas formas, o que retira, em princípio, a relevância da indagação sobre eventual relação de consumo. Recurso provido pela reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para apreciar ação de indenização por danos morais ajuizada por advogado em face de cliente e determinar o retorno dos autos à origem para processamento e julgamento do feito? (TRT.PR 99506 2005 678 09 00 2, Ac. 20973/06).

TST e a competência sobre matéria penal

Na linha da análise da aplicação da emenda 45/2004, recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho enfrentou a questão da competência sobre matéria penal: ?Denúncia-crime. Incompetência da Justiça do Trabalho. Quanto ao tema, pronunciou-se a Corte Regional, in verbis: Ressalto inicialmente que o que se discute no presente caso é tão-somente a competência desta Justiça do Trabalho para apreciar e julgar lides de cunho criminal, não tendo o Magistrado sentenciante em momento algum discutido a legitimidade do Ministério Público em intentar o presente feito. Diante disso, afasto qualquer alegação do recorrente quanto à eventual ofensa ao princípio da reserva legal. Pois bem, em que pese à ampliação da competência da Justiça do Trabalho trazida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, entendo que a Justiça do Trabalho continua incompetente para apreciar ações penais. Não obstante o art. 114, inc. IX, da CRFB disponha competir à Justiça do Trabalho processar e julgar outras controvérsias da relação de trabalho não tem este dispositivo legal a extensão que lhe pretende atribuir o Ministério Público, porquanto sua redação não pode ser interpretada no sentido de ser irrestrita a competência desta Justiça Especializada. A ilação do artigo acima prefalado deve ser harmonizado com o art. 109, inc. VI, da Carta Magna, o qual manteve com os Juízes Federais a competência para julgar os crimes contra a organização do trabalho. Ora, caso o legislador tivesse o intuito de deslocar a competência penal para a Justiça do Trabalho, por motivos manifestos, estes deveriam ser os primeiros fatos típicos a serem inseridos na competência deste ramo do Poder Judiciário. Também não evidencia qualquer intenção do legislador em atribuir competência para apreciar ações penais para esta Justiça Especializada a nova disposição contida no inciso IV do art. 114 da Constituição, que prevê a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o habeas corpus quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição. Além de não competir ao hermeneuta ampliar sua interpretação,este remédio constitucional não se projeta exclusivamente no campo penal ou processual penal, sendo cabível também em outros ramos do Direito,sendo utilizado para tutelar o direito de liberdade corpórea do indivíduo. (…) Registro, outrossim, tramitar no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3684/2006, de 8/3/2006, ajuizada pelo Exmo.Procurador-Geral da República, Dr. Fernando Barros e Silva de Souza, que tem por objeto a inconstitucionalidade sem redução de texto do art. 114, inc. I, da CRFB, no que toca à competência criminal da Justiça do Trabalho. Na esteira de tais considerações, por ser a Justiça do Trabalho incompetente para processamento e julgamento de denúncia-crime (ação penal), não merece qualquer reforma a sentença. Na revista, insurgiu-se a parte recorrente, pretendendo demonstrar que foi cerceado seu direito de produzir provas, uma vez que o decisum não abordou a tese defensiva no sentido de declarar a ausência de justa causa a legitimar o prosseguimento de ação penal contra o advogado, ora recorrente, que, na verdade, fora denunciado por equívoco. Apontou violação do art. 5.º, XXXV e LV, da Carta Magna e trouxe arestos para o confronto de teses. In casu, a 5.ª Vara do Trabalho de Florianópolis esclarecera que o Ministério Público buscou a condenação do recorrente pelo crime de denunciação caluniosa, por ter este apresentado denúncia ao MPT contra a empresa Blumelar Eletro Refrigeração Ltda., que supostamente praticara ilícitos trabalhistas. No entanto, em face das fiscalizações efetivadas, apurou-se a inexistência de irregularidades na empresa citada. O Tribunal Regional declarou a incompetência desta Justiça do Trabalho para apreciar e julgar lides de cunho criminal, o que ensejou a impossibilidade de análise dos pedidos sub judice. Fixadas tais premissas, nota-se não haver como prosperar a alegação de violação dos princípios constitucionais da inafastabilidade do Poder Judiciário, do contraditório e da ampla defesa, pois se o decidido não agasalhou a pretensão e o interesse do recorrente, a insatisfação não pode ser resolvida em face dessas alegações. É de se notar que as partes continuam recorrendo em juízo, recebendo a devida prestação jurisdicional,não lhes sendo subtraído o direito ao contraditório e à ampla defesa,garantidos na Lei Maior. Outrossim, esclareça-se que arestos originários do TRF e do Tribunal de Justiça desatendem ao próprio art. 896, a, da CLT. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. Isto Posto, Acordam os Ministros da Egrégia 1.ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito,negar-lhe provimento. Brasília, 7 de maio de 2008. Ministro Vieira de Mello Filho,Relator? (TST-AIRR-5975/2006-035-12-40.0-Publicação: DJU. 16/5/2008).

Medidas necessárias e urgentes

Indubitavelmente, com a emenda constitucional, a Justiça do Trabalho teve sua competência ampliada para esferas que transcendem as tradicionais relações conflituosas entre empregados e empregadores e, com tais modificações, foram em definitivo afastadas as então existentes idéias de extinção da Justiça do Trabalho. Estas alterações vêm sendo acompanhadas de medidas do Executivo e do Legislativo que possibilitam ao Judiciário Trabalhista cumprir a importante missão que lhe é destinada, mas ainda reivindicadas outras medidas necessárias e urgentes que transitam desde implementação de condições financeiras-econômicas-materiais e novas Varas, até o maior número de juízes e servidores melhor remunerados. Neste sentido, a direção do E. TRT do Paraná vem avançando significativamente, quer na ampliação de seu quadro de magistrados, como na luta por conseguir mais servidores voltados às necessidades de novas Varas do Trabalho e dinamização de outros setores administrativos. De todos nós, trata-se de assimilar a compreensão de que o desmonte da Justiça do Trabalho somente servirá aos interesses dos que preferem o caos, em detrimento dos que lutam pela harmonia, igualdade e justiça social. Se os juízes e servidores da Justiça do Trabalho foram merecedores da confiança dos legisladores neoconstituintes ao se lhes atribuir novos encargos, certamente também serão merecedores da atenção desses mesmos legisladores em aprovarem os pleitos, legítimos e justos, de fixar recursos orçamentários indispensáveis à consecução dos objetivos da Justiça do Trabalho. Caso contrário, restará apenas rezar para que a graça divina nos conceda o dom do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.

Euro-tragédia

O Parlamento Europeu aprovou novas regras para expulsar imigrantes ilegais dos países da União Européia (1) deixar o país voluntariamente em até 30 dias (2) ou prisão por um período de até 18 meses antes da expulsão (3) menores desacompanhados ou famílias com crianças serão detidos em último caso (4) e proibição do retorno à Europa por cinco anos (5) possibilitar assistência jurídica gratuita para efeitos de documentação em outros países (6) a lei entrará em vigor dois anos após sua publicação (7) gera efeitos para cerca de oito milhões de imigrantes ilegais em 27 países do bloco (8) a votação expressa a divisão dos parlamentares europeus sobre a polêmica, com 367 a favor e 206 contra.

?A EU se ufana de haver promovido a democracia na América Latina e no resto do mundo, mas estas novas políticas afetarão seu sistema de liberdades e os direitos humanos de suas minorias mais marginalizadas. A América Latina será golpeada pelas medidas, pois terá que reacomodar milhões de expatriados, criando problemas internos e privando-se das remessas e dos mercados que estes geravam.(…) ?Desde cinco séculos atrás, as Américas absorveram dezenas de milhões de europeus. Inclusive, após expulsar as coroas européias, o novo mundo seguiu recebendo imigrantes do velho mundo que fugiam de crise, guerras e perseguições. Hoje, quiça, há mais descendentes de espanhóis, portugueses, italianos ou irlandeses vivendo nas Américas, do que nestes mesmos países? (Lei de imigração: euro-tragédia,Isaac Bigio, Ag/Br Press).

Edésio Passos é advogado.
edesiopassos@terra.com.br

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