Historicamente a relação capital e trabalho sempre foi condicionada por suas tensões, habitando na mente de todos aqueles que se dedicam ao estudo do tema as imagens dos tempos ditos mais `selvagens’ da exploração da mão-de-obra humana pelo capital. Duras e longas jornadas de trabalho, precárias condições laborais, salários acachapantes, ausência de regulação social mínima, dentre outros tantos eventos, caracterizam um período que sempre pensamos como parte de um passado distante, superado por mais de um século de desenvolvimento humano e social.
Nesse contexto, não deixa de ser chocante o que ainda se vem acontecendo em nosso País. Denúncias de trabalho escravo se alastram pelos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que se fala em excesso de proteção legal sobre a classe trabalhadora como elemento de diminuição da competitividade industrial de nosso País.
A mais recente denúncia foi encaminhada pelo Procurador-Geral do Trabalho ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, noticiando que as páginas do TST e dos Tribunais Regionais do Trabalho na internet estavam sendo usadas como fonte de pesquisa por parte de empresas na formação de `listas negras’, cuja divulgação tem por objetivo obstar a contratação de trabalhadores que, eventualmente, tenham ajuizado reclamação trabalhista.
Ora, não é de hoje que se tem conhecimento, especialmente no âmbito da Justiça do Trabalho, da elaboração, por determinados segmentos empresariais, de listas de empregados-reclamantes, formando-se um verdadeiro banco de dados para ser consultado antes de qualquer contratação. As listas negras, em décadas passadas, eram muito comumente utilizadas como ferramenta de inibição para a contratação de integrantes da diretoria de sindicatos mais combativos. Noutras palavras, eram uma forma de expulsar da categoria profissional, pela ausência de empregabilidade, aqueles empregados vocacionados a desempenhar a autêntica representação sindical. Hoje, seguramente são uma tentativa de atribuir a determinado trabalhador um estigma, uma marca ou sinal de `possível reclamante na Justiça’, tachando-o previamente como um potencial `problema’ a se evitar naquele local de trabalho ou estabelecimento.
O que salta aos olhos na denúncia do Ministério Público do Trabalho, portanto, não é a elaboração de `listas negras’, mas a utilização de uma nova ferramenta eletrônica para a formação de ilegais bancos de dados.
Por isso, consideramos como acertada e oportuna a imediata medida adotada pelo Presidente do TST, que determinou a alteração do sistema de consulta de dados na página daquele Tribunal, vendando a busca pelo nome do empregado. A mesma decisão recomendou aos presidentes dos 24 TRTs que adotem semelhante procedimento, tudo no intuito de estancar o mau uso das informações disponibilizadas nas páginas dos órgãos da Justiça do Trabalho na internet.
Essas providências acabarão com as listas negras? Claro que não. São medidas que apenas dificultam o acesso a dados via internet, mas que não inibem a prática de formação de listas discriminatórias pelos meios tradicionais de comunicação intra-empresarial.
Acreditamos que somente uma atuação enérgica do Poder Judiciário poderá pôr fim A procedimentos inconstitucionais de tal estirpe, pelo qual se pune, com o desemprego, aquele trabalhador que acreditou na democracia brasileira e procurou o Judiciário para discutir possíveis lesões a direitos sociais que, em sua grande maioria, estão garantidos na Constituição Federal.
Cuida-se de uma agressão de natureza pré-contratual, ou seja, uma lesão ao direito de acesso ao trabalho, passível, pois, na forma da legislação em vigor, de indenização justa e adequada, bastando, para tanto, que o trabalhador prejudicado procure a Vara do Trabalho mais próxima para reclamar a restauração do seu direito que foi agredido. Não é demais lembrar que, na Justiça do Trabalho, a contratação prévia de advogado particular é facultativa, ou seja, a reclamação pode ser apresentada direta e pessoalmente pelo trabalhador.
Oxalá que a sociedade, cada dia mais ciente de seus direitos, consiga extirpar essa jurássica prática discriminatória das relações de trabalho, porquanto o acesso ao trabalho deve ser livre e o acesso ao Judiciário deve ser encarado como um exercício de cidadania, de liberdade, e não um ato de agressão ao capital.
Precisamos mudar, assim, a nossa cultura empresarial sobre o moderno conceito de acesso à Justiça, posto que, de nada adianta aprimorarmos as leis e as estruturas do Estado, se a sociedade continuar passiva diante de atos que agridem a dignidade da pessoa humana.
Luciano Athayde Chaves é presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 21.ª Região – Amatra 21. Rio Grande do Norte