As laranjas são suspeitas

A história das nações mostra que não existe jogo limpo quando o assunto é dinheiro. Existem as regras oficiais, quando os poderosos estão com o jogo na mão, e as outras, para quando o jogo fica ameaçado. Espanha e Portugal não seriam poderosos se não pilhassem as Américas. E a Inglaterra muito deve a seus piratas, que financiaram a revolução industrial. E assim por diante. O principal jornal econômico dos Estados Unidos, o The Wall Street Journal, publicou na edição de terça-feira os métodos de competição comercial daquele país que servem de lição para os brasileiros que acreditam em jogo limpo. Os produtores de laranja da Flórida querem usar satélites americanos de espionagem para mapear plantações no Brasil, porque estão perdendo mercado.

Explica-se: a Flórida e São Paulo produzem 90 por cento do suco de laranja consumido no mundo, mas os americanos acham que estão perdendo terreno para os brasileiros. Resumindo: resolveram apelar para um mecanismo de guerra, satélites de espionagem. Isso eqüivale a dizer que a diferença entre comércio e guerra para os americanos, se existe, não chega a ser lá grande coisa. Caso contrário saberiam diferenciar as armas que se usam em cada uma dessas atividades.

Às vezes os brasileiros são levados a crer que nossa indolência é o principal entrave para que sejamos uma grande potência industrial. Na realidade, o grande obstáculo que enfrentamos vem das potências industriais à nossa frente, que não têm o menor interesse que um país continental, com matéria-prima e mão-de-obra abundantes, assuma um posto de destaque na cena econômica internacional. O exemplo acima, do uso de satélites para espionar as plantações brasileiras de laranja, é um exemplo. Mas não o único.

Vejamos outros. Uma grande indústria canadense de aviões produziu no final de 2001 o maior escândalo internacional sobre o rebanho bovino brasileiro, acusando-o de doente, porque uma empresa brasileira, a Embraer, estava, usando uma tecnologia brasileira, deslocando-a no comércio internacional. O que avião tem a ver com vaca? A vaca não voa, mas como o avião é um produto e na briga vale qualquer coisa. O caso quase transbordou para guerra comercial. Não foi além, porque nesta briga, se o Brasil retaliasse, o Canadá tinha mais a perder. Mas ele mostrou as garras e também que sabe onde fica a nossa jugular.

O caso dos sapatos é outro exemplo histórico. Os sapatos brasileiros ganharam o consumidor americano, mas enfrentam barreiras comerciais para chegar às prateleiras. O mesmo pode ser dito do aço. O produto brasileiro adquiriu competitividade tão grande que fez da indústria americana um trambolho ocioso. E para evitar que vá à lona, o mecanismo adotado é a sobretaxa. Esse cenário serve para entender por que um filme brasileiro, mesmo com qualidade, tem dificuldades de ganhar um Oscar. Seria um incentivo para uma indústria brasileira de cinema, que a indústria americana de entretenimento tenta impedir há tempo. Basta ver o escarcéu que fez quando começou a se discutir uma nova lei de cinema no Brasil. Há ainda o caso dos produtos agrícolas e as barreiras que enfrentam. O Brasil, na verdade, não precisa de piedade: bastam-nos regras limpas.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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