O Brasil é mesmo cheio de contrastes. Um dos maiores países do mundo em extensão territorial, ocupando cerca de 47% do continente em que se encontra, presencia, quase que diariamente, conflitos agrários, invasões de propriedade alheia por movimentos muitas vezes de origem política, e assassinatos de defensores da floresta, encomendados por madeireiros e fazendeiros.
Como esses contrastes não param no exemplo acima, existindo em toda a conjuntura, no Sistema Tributário não é diferente.
Um país cuja arrecadação tributária chegou a um trilhão de reais na primeira quinzena de setembro/2011, também tem milhões de pessoas vivendo de maneira miserável.
De fato, o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo (a arrecadação é de cerca de 35% do Produto Interno Bruto) e isso, por si só, já é uma incongruência, se forem considerados esses milhões de brasileiros que vivem precariamente.
Acontece que o modo como a legislação trata os tributos no Brasil muitas vezes impede que a população vislumbre um futuro melhor para si e, por consequência, para o próprio país.
Veja-se outro exemplo: um investidor estrangeiro que aplique na bolsa de valores brasileira recolherá 25% sobre os ganhos obtidos, a título de Imposto de Renda. Uma pessoa física, com o suor do seu trabalho, e desde que possua registro na carteira de trabalho, está sujeita a uma carga tributária de cerca de 27,5%. Por sua vez, uma pessoa jurídica será tributada em 34%, grosso modo.
Com base nesses simples dados, se chega à conclusão de que o Brasil beneficia aqueles que só pretendem especular, deixando de gerar riquezas permanentes no país, em detrimento daqueles que trabalham e dos que são empreendedores e geram empregos.
Outra incongruência do Sistema Tributário Brasileiro é aquela relacionada aos demais ramos do direito. Observe-se o caso das atividades ilícitas. Muitos têm a total convicção de que não há incidência tributária sobre os proveitos dessas atividades. Ledo engano. Como o leão não perdoa nada, os tributos também incidem sobre as operações ilícitas.
Essa situação ingressou no Direito Tributário (pátrio) por influência de Vespasiano, que, defendendo-se da crítica formulada por seu filho Tito, insistiu na cobrança de imposto sobre os mictórios públicos, pois o dinheiro não cheira. É o princípio non olet (não cheira), significando, modernamente, que o tributo deve incidir também sobre as atividades ilícitas ou imorais; apenas para ilustrar, é o caso de um traficante que, ao comprar um automóvel com o dinheiro arrecadado através dessa atividade criminosa, deve pagar o Imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA), incidente sobre a propriedade desse veículo.
Outra situação de patente incongruência no nosso Sistema Tributário é trazida por Anis Kfouri Júnior no seu livro Curso de Direito Tributário (Editora Saraiva, 2010): “a segurança pública é atribuída constitucionalmente aos Estados e ao Distrito Federal, que possuem também a competência tributária relativa ao imposto sobre transmissão “causa mortis” e doação de quaisquer bens ou direitos – ITCMD. Assim, o mesmo Estado que tem a função de zelar pela vida e segurança do cidadão é o que recebe o ITCMD em caso de seu falecimento”.
Ainda segundo esse autor, “no atual cenário em que a violência tem imperado, não pode o Estado se beneficiar, apropriando-se de parcela do patrimônio do de cujus, que somente atingiu esta condição, graças à ineficiência do Estado”.
Críticas à parte a esse posicionamento, o referido autor entende que não deve haver a incidência do ITCMD nos casos de latrocínio e mortes comprovadamente ocasionadas pela deficiência do serviço público, como ocorridas por erro médico, contaminação hospitalar etc.
É uma tese interessante, embora sujeita a críticas, que demonstra mais uma incongruência constante do nosso sistema tributário.
Diante desses pequenos exemplos de situações em que a norma tributária parece entrar em contradição com o que se chama de “senso comum”, a outra conclusão não se chega: o Sistema Tributário Nacional há que ser revisto, se os nossos governantes (leia-se poderes legislativo e executivo) quiserem realmente trazer uma maior justiça social e tributária à população brasileira.
Renato Confolonieri é advogado do escritório Fernando Quércia Advogados Associados.