As dúvidas de Lula

Às vezes visto de esguelha ou com indiferença, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES vai cumprindo seu papel na busca de discutir seriamente o novo patamar de crescimento econômico, da retomada dos investimentos, da melhoria da infra-estrutura e da habitação popular, etc. Em 60 dias, e conforme sua missão de trabalhar em torno de temas e não de decisões, que caberão apenas ao presidente Lula, o CDES apresentará ao governo um pacote de sugestões de medidas para retomar o crescimento. Essa meta exigirá sacrifícios de todos, mas será viável mesmo quando alguns setores se atolam no debate de fórmulas – o que talvez até dê certa razão ao presidente quando aponta o comodismo como o principal motivo do atraso das reformas.

Mas, ao criar o CDES no início do governo, ele o fez para ouvir todos os segmentos da sociedade, o que é algo muito diferente que ser conduzido por ela. O que não quer dizer que ele não possa ter dúvidas sobre certas questões de interesse da população – dúvidas, aliás, que tem anunciado sem constrangimentos. Ao falar no Fórum Nacional do Trabalho, por exemplo, Lula declarou que “mudanças mexem com nossa comodidade” e que “isso não vale só para a questão sindical, mas para a questão da Previdência e até para a casa que queremos reformar” (“nem todos têm coragem de comprar a lata de tinta”).

Talvez por isso também estejamos remetendo ao julgamento da história, ou à próxima década, nossas próprias dúvidas sobre o que se fez até agora de certo ou errado, de conservador ou não, nos sete primeiros meses de governo (“Por que não deixar tudo como está?”, perguntou o presidente).

As dúvidas de Lula parecem ir mais longe: “Uma visão eminentemente economicista da administração de um país do tamanho do Brasil pode ser um equívoco”, afirmou, na “recriação” da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) – “a política é que determinará os passos econômicos que vamos dar”. A ser verdade, é outro imbróglio que precisaria ser resolvido: o político, sem ter todas as informações que detém o especialista, prefere o palanque ou a tribuna para apontar caminhos que nem sempre atendem aos interesses do povo. E o especialista, com raras exceções, desconhece os meandros que instruem as decisões políticas, além de que de nada serviriam projetos de reformas se, para ser implementados, não tivessem por trás os políticos, os únicos capazes de referendá-los, emendá-los e colocá-los em vigor, evitando que a economia afunde em recessão.

Tais reflexões conduzem à urgência de uma definição para o País: após um bom primeiro semestre na área macroeconômica, com inflação controlada, viés de queda dos juros, investidores mais confiantes, etc., a economia precisa recomeçar a crescer para gerar empregos, melhorar a renda e aumentar a competitividade. Nos sete primeiros meses de mandato, o presidente pode ter reforçado suas dúvidas com o espaço ocupado pelas aflições do povo, angustiado com as demandas sociais e econômicas; mas ele já entendeu que chegou a hora de olhar para a frente. O papel do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e de seus 90 membros é de apresentar alternativas para fazer as mudanças e canalizar democraticamente esforços e energias para a meta do crescimento.

Além das reformas tributária e da Previdência, há muito a fazer para se retomar o crescimento sem comprometer a estabilidade, como adequar as leis trabalhistas ao mundo contemporâneo, para maior oferta e estabilidade no emprego, adotar políticas de fomento ao crédito e aumento da demanda, etc. Chegou o momento de o presidente, em primeiro lugar, agir com autoridade contra os sem-teto, os sem-terra e outros que, à margem da lei, inviabilizam o ambiente necessário ao crescimento, intensificando as invasões de áreas urbanas e rurais, sobretudo em São Paulo, Rio e Pernambuco. Nenhuma nação civilizada, que respeite e se submeta às leis, aceita – sem graves danos às instituições – que se prolongue indefinida e impunemente uma onda de ações contra terrenos e prédios federais e particulares como a que ocorre hoje.

Mas também chegou o momento de o governo ter mais audácia política num Brasil que não tem a tradição da ousadia (quando a teve, tomou as decisões erradas, como as que há alguns anos nos levaram ao populismo para conter a inflação, com choques, congelamentos de preços, salários e câmbio e, sobretudo, com a frustração nacional). O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social dará sua contribuição na certeza de que a normalidade que se impõe para o País atrair mais investimentos, criar mais empregos, distribuir melhor a renda e produzir mais depende da erradicação do desemprego e da ameaça de recessão.

Com o fim das dúvidas e das disputas, com a lei sendo cumprida, com o presidente Lula batendo o martelo no novo plano de investimentos, essas medidas comporiam um ato de legítima defesa, inspirado na necessidade de alcançarmos o ponto de equilíbrio entre o que a sociedade quer e o que ela pode obter.

Miguel Jorge é jornalista e vice-presidente de Assuntos Corporativos do Santander Banespa.

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