As cooperativas podem ser caracterizadas como um contrato de sociedade pelo qual as partes ?se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro?. Já se entendeu que as cooperativas eram sociedades sui generis, por não se enquadrarem em nenhuma outra forma jurídica societária. No entanto, hoje em dia a sociedade cooperativa ?é mais um tipo de sociedade, com forma jurídica própria, pois tantas foram as modificações, adaptações e limitações que sofreram as regras oriundas dos outros tipos societários, que se tornou impossível confundir a atual sociedade cooperativa com os demais tipos societários?.
Ademais, a lei que regula as sociedades cooperativas (Lei 5.764/71) foi recepcionada pelo novo Código Civil naquilo que a este não contraria. Por sua vez, o artigo 1.093 do Código Civil (2002) dispõe que as sociedades cooperativas serão regidas pelo capítulo ?VII?, ressalvada a legislação especial.
Em razão disso, Fábio Ulhoa Coelho entende que as cooperativas são necessariamente sociedades exercentes de atividades civis (integram a categoria das ?sociedades simples?), independente da atividade que exploram.
Estabelecidas estas premissas, a nova Lei de Falências dispõe o seguinte:
Artigo 1.º: Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.
Artigo 2.º: Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. Ou seja, como a Lei de Falências aplica-se ao empresário e a sociedade empresária, desde logo é possível observar que as cooperativas não se sujeitam à falência, já que possuem natureza civil e atividade não-empresária.
Humberto Theodoro Júnior vai mais longe e sustenta que as cooperativas não se sujeitam nem à falência, nem à insolvência civil, conforme se observa, ut infra:
?Há certas sociedades, cuja natureza civil é inconteste e até mesmo reconhecida por disposição expressa de lei, mas cujo regime de liquidação, por vontade também do legislador, é especial, fugindo tanto do concurso falimentar como do concurso civil.
Assim, as cooperativas, definidas pela Lei n.º 5.764, de 16.12.71, como sociedades civis, podem ser liquidadas extrajudicialmente, mediante intervenção de órgão executivo federal, nos termos do artigo 75 daquele diploma legal?.
Desta forma, apesar de algumas cooperativas dedicarem-se às mesmas atividades dos empresários e até mesmo atenderem aos requisitos legais de caracterização destes (profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços, por exemplo), não há como se aplicar o instituto falimentar à sociedade cooperativa, devendo prevalecer a forma de liquidação extrajudicial prevista na Lei 5.764/71, a qual, inclusive, dispõe no artigo 76, parágrafo único, a suspensão de todos os processos judiciais da cooperativa em liquidação, pelo prazo de até 1 (um) ano.
Existe, outrossim, um regime próprio de intervenção e liquidação extrajudicial para as cooperativas, razão pela qual, em que pesem alguns recentes entendimentos em sentido contrário, as cooperativas não podem se submeter à execução concursal do empresário, pois prestam atividade econômica não-empresarial, além de possuírem legislação própria para tratar da liquidação Não obstante o entendimento supra, existe um Projeto de Lei (n.º 6.230/2005) em tramitação no Congresso Nacional que visa alterar a nova Lei de Falências, incluindo um capítulo denominado ?Da Recuperação Judicial, Extrajudicial e da Falência dos Não-Empresários?. Na Justificativa do Projeto, o Dep. Luiz Antonio De Medeiros Neto afirma que, diante da exclusão das cooperativas da atual Lei de Falências, recebeu um anteprojeto de lei do Dr. Humberto Theodoro Júnior, que fundamenta o mencionado Projeto. No entanto, enquanto não entrar em vigência referido Projeto de Lei, a nova Lei de Falências afasta expressamente às cooperativas de crédito da aplicação do novo estatuto falimentar, pois, como é cediço, estão sujeitas à mesma legislação pertinente às instituições financeiras.
Guilherme Borba Vianna é advogado, especialista em processo civil (IBEJ) e em direito societário (UFPR), mestrando em direito econômico e social pela PUC/PR.