(A portaria n.º 329, de 14/8/02, do ministro do Trabalho e Emprego)
1. Introdução
Criadas pela Lei n.º 9.958/00, que inseriu os artigos 625-A até 625-H na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as Comissões de Conciliação Prévia (CCP) têm sido objeto de acerbas críticas sobre alguns aspectos do seu funcionamento.
Assim, recentemente, visando reduzir as manifestações públicas de reprovação, o Ministro do Trabalho e Emprego baixou a Portaria n.º 329, de 14.8.02 (DOU 15 e 20/8/02), que estabeleceu inúmeras restrições ao funcionamento dessas Comissões.
2. Proibições impostas
De forma contundente, algumas restrições foram impostas às CCP (Comissões de Conciliação Prévia):
Quanto à área de atuação,
a CCP criada no âmbito sindical conciliará exclusivamente conflitos que envolvam trabalhadores pertencentes à categoria profissional e à base territorial das entidades que as tiverem instituído; aquela constituída no âmbito da empresa, ou grupo de empresas, destina-se somente a conciliar conflitos envolvendo os respectivos empregados e empregadores (art. 1.º, parágrafo único, e art. 2.º). Limitou-se, assim, a atividade da CCP, a uma área de abrangência claramente definida.Quanto ao pressuposto conciliatório
, deve ser o conflito trabalhista, não se admitindo seja utilizada como organismo de assistência e homologação de rescisão contratual, pois competência (atribuição) relativamente a esses últimos aspectos, nos termos do art. 477 da CLT, é do sindicato da categoria e da autoridade do Ministério do Trabalho e Emprego (art. 3.º e parágrafo único).Quanto ao uso de documentos,
deve se abster de utilizar símbolos oficiais, como o Selo e as Armas da República, de uso exclusivo da Administração Pública Federal, conforme a Lei n.$ 5.700/71 (art. 7.º).Quanto à forma de custeio,
deve ser regulada no momento da instituição, observando os princípios da razoabilidade e da gratuidade ao trabalhador, proibindo-se, expressamente: a) que a CCP constitua fonte de receita para as entidades sindicais; b) a cobrança do trabalhador de qualquer pagamento pelo serviço prestado; c) a cobrança de remuneração vinculada ao resultado positivo da conciliação em percentual do valor pleiteado ou do valor conciliado; d) que os integrantes da CCP percebam qualquer remuneração ou gratificação com base nos acordos firmados (art. 10 e parágrafos).Quanto ao procedimento conciliatório,
deve restringir-se a direitos ou parcelas controversas, proibindo transação extrajudicial de parcelas incontroversas (art. 11), como, por exemplo, o percentual devido a título de FGTS, inclusive a multa de 40% sobre todos os depósitos devidos durante a vigência do contrato de trabalho, que não pode ser objeto de transação (parágrafo único).3. Obrigações estabelecidas
Algumas obrigações, também, foram estabelecidas às CCP, com o objetivo de dar maior formalidade às suas existências, e funcionamento, bem como segurança às partes que as procuram:
Quanto à existência,
a Comissão deve comunicar ao setor próprio do Ministério do Trabalho e Emprego sua instituição, o local de funcionamento, a composição e o início das atividades (art. 5.º).Quanto aos documentos,
deve a CCP dispor sobre a produção e guarda daqueles relativos aos procedimentos de tentativa e de conciliação prévia trabalhista (art. 6.º), arquivando por cinco anos todos aqueles produzidos no processo de conciliação, desde o momento em que a demanda foi formulada até seu resultado final, positivo ou não (parágrafo único).Quanto à publicidade,
o local e horário de funcionamento da CCP devem ser amplamente divulgados para conhecimento público (art. 8.º).Quanto à paridade de representação,
no momento em que estiver em funcionamento a sessão conciliatória, devem estar presentes o conciliador que representa as empresas ou o sindicato patronal, e também o conciliador que representa os empregados ou o sindicato dos trabalhadores, conforme tenha sido a origem da CCP (art. 9.º).Quanto aos princípios do contraditório e da ampla defesa,
garantidos constitucionalmente (art. 5.º, LV, CF/88), o convite de comparecimento à sessão conciliatória (o que se pode chamar de notificação) deve ser acompanhado de cópia da demanda (art. 12).Quanto à transparência, publicidade, isonomia das partes
, a CCP deve informar, no convite, e ao início da sessão conciliatória, obrigatoriamente, que: I – tem natureza privada e não integra o Poder Judiciário; II – o serviço é gratuito para o trabalhador; III – a tentativa de conciliação é obrigatória, mas o acordo é facultativo; IV – o não-comparecimento do representante da empresa ou a falta de acordo implica tão-somente a frustração da tentativa de conciliação e viabiliza o acesso à Justiça do Trabalho; V – as partes podem ser acompanhadas de pessoa de sua confiança; VI – o acordo firmado possui eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas; VII – podem ser feitas ressalvas no termo de conciliação de modo a garantir direitos que não tenham sido objeto do acordo; VIII – o termo de acordo constitui título executivo extrajudicial, sujeito, no caso de descumprimento, à execução na Justiça do Trabalho; IX – as partes podem ser atendidas em separado pelos respectivos membros representantes para esclarecimentos necessários, assegurando-se a transparência do processo de conciliação (art. 13).Quanto à formalização da tentativa conciliatória:
a) se não prosperar a conciliação, será fornecida ao Empregado e ao Empregador declaração de tentativa frustrada, com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão (art. 14); b) havendo conciliação, deve ser reduzida a termo, assinado em todas as vias pelas partes e integrantes da Comissão, fornecendo-se cópias aos interessados (art. 15); c) o termo de conciliação deve ser lavrado de forma circunstanciada, especificando direitos, parcelas e respectivos valores, ressalvas, bem como outras matérias objeto da conciliação (parágrafo único do art. 15).4. Conclusões
Além do texto da Portaria n.º 329/02, do Ministro do Trabalho e Emprego, existem anteprojetos encaminhados ao Congresso Nacional (pela Anamatra, e entidades sindicais) visando aperfeiçoar as normas instituidoras das Comissões de Conciliação Prévia em nosso País.
A idéia original foi muito sedutora: encarregar as entidades sindicais, e mesmo as empresas com os trabalhadores, de ficarem responsáveis por esse sistema de conciliação extrajudicial, reduzindo as demandas trabalhistas, e abreviando o tempo necessário para a solução do conflito (observe-se que o art. 625-F estabelece o prazo exíguo de apenas dez dias para que seja realizada a sessão de tentativa conciliatória, a partir da provocação do interessado).
Parece chegada a hora, – e nesse sentido a Portaria foi essencial, para abrir o debate -, de um amplo levantamento dos trabalhos já realizados pelas Comissões no Brasil todo, bem como suas vantagens, dificuldades, e até mesmo irregularidades.
A reforma do texto que instituiu as Comissões, corrigindo-se equívocos, e acrescendo-se soluções que a prática apresentou como boas, parece ser o melhor caminho.
Luiz Eduardo Gunther
é juiz do TRT da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.