A fábula da cigarra e da formiga é muito conhecida. É uma lição de que se deve trabalhar e produzir para ter reservas para os dias difíceis. A fábula foi usada pelo ministro Antônio Palocci em recente entrevista coletiva. Ele afirmou que o ministro da Fazenda não pode ser candidato a cargos políticos porque há natural incompatibilidade. Mas já tivemos ministros da Fazenda candidatos, como foi o caso de Fernando Henrique Cardoso. E o fato de ter a suposta paternidade do Plano Real que derrubou a inflação foi decisivo para sua vitória nas urnas. Estelionato eleitoral, disseram os oposicionistas, governantes de hoje. Mas o povo quer sucesso na economia e a derrubada da inflação foi uma vitória inconteste. Quer o sucesso na economia porque a ele se seguem várias outras conquistas, a principal delas o emprego.
Palocci defendeu sua política de formiguinha, trabalhando em silêncio para guardar dinheiro e ir pagando a dívida externa. Por enquanto, mais paga os juros que a dívida, apesar da antecipação do dinheiro devido ao Fundo Monetário Internacional. A dívida externa, mesmo com o aperto fiscal, que é maior do que o do governo anterior e mesmo do prometido pelo atual, continua alta e só baixou 0,4% este ano. Tal política não dá votos capazes de levar alguém à Presidência da República, como conseguiu o Plano Real. Mas o prestígio de Palocci em certos círculos certamente lhe garantiria um mandato de deputado.
Ao dizer que age como a formiguinha, enquanto outros cantam irresponsavelmente como cigarras, temeu que entendessem que cigarras são todos os que se opõem à sua política de ?mão de vaca?. Política que retira do governo e da sociedade recursos necessários para o desenvolvimento econômico interno. O resultado é um pífio desenvolvimento industrial, uma queda no desenvolvimento no setor agrícola e uma redução do PIB. E o desemprego.
O ministro, mal havia bolado o uso da fábula, lembrou-se que poderiam interpretar como sendo cigarras os outros ministros que, interna ou publicamente, manifestam-se contra a sua política, porque lhes sonega recursos para gerir seus setores. Alguns ministros e o vice-presidente chegaram a bater cabeças com ele, dizendo de público serem contra essa política. E contra ela são também os petistas ortodoxos. De forma mais diplomática, o próprio Lula se manifesta contra. No mesmo dia do café da manhã com o ministro, Lula fez discurso em uma cerimônia pública e, à saída, disse à imprensa que a queda do PIB revelava que o governo excedeu-se ao pôr o pé no breque. Que no ano que vem é preciso afrouxar um pouco. Ou seja, preocupar-se menos com os juros devidos aos credores externos e internos e mais com as obras e serviços necessários ao atendimento das necessidades do povo brasileiro.
Palocci, em sua emenda que não foi melhor que o soneto, foi logo dizendo que as cigarras são aqueles que ficam fazendo discursos enquanto o Ministério da Fazenda trabalha para colocar as finanças do País em ordem. Não são os ministros que falam contra sua política, afirmou sem muita convicção. Cigarra seria, talvez, o próprio presidente Lula, que, no mesmo dia, fez três discursos exultando com as obras e resultados que atribui ao seu próprio governo, o melhor, em sua opinião, que o Brasil já teve em toda a sua história. Sem falsa modéstia…