Há poucos dias de terminar o seu mandato de presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio Mello deu o troco dos ataques que a Justiça andou recebendo. Lula conseguiu grande repercussão ao dizer que era hora de abrir a caixa-preta do Judiciário, insinuando sua parcialidade, nichos de corrupção, lentidão na tramitação de processos e a defesa dos interesses só dos ricos, deixando de lado os dos pobres. O que disse recebeu a repulsa dos próprios membros da magistratura e dos profissionais que militam na área, como o Ministério Público e os advogados. Mas, por traduzir uma opinião quase generalizada da população, recebeu aplausos da maioria e de muitos políticos.
O ministro Marco Aurélio, com uma defesa que teve como tática o ataque, pôs as coisas nos devidos termos e suas palavras deveriam servir para alertar o próprio presidente Lula e toda a nação sobre a verdadeira situação. Seria o Judiciário a “bola da vez? Se for, estamos muito mal”, completou o ministro, pois as autoridades deveriam é fortalecê-lo, pois ele é “a última trincheira dos cidadãos”. E acrescentou: “A não ser que se queira ir à babel”. É no Judiciário (ou deveria ser) que os cidadãos encontram seu último recurso para a defesa dos seus direitos, mesmo que estejam lutando contra os poderosos ou contra o próprio Estado.
Perguntou Marco Aurélio por que se pedem reformas estruturais só no Poder Judiciário e também não se fazem no Executivo e no Legislativo. Essas também são necessárias, mesmo enfocando apenas os problemas que levaram Lula a indigitar o Poder Judiciário e apontar a existência de caixa-preta. Lembrou o ministro que são passados quinze anos da promulgação da Constituição de 1988, que estabelece as defensorias públicas, instrumentos para advogar, gratuitamente, os direitos dos pobres, e os poderes executivos federal e estaduais não implantaram esses serviços. Reclamam que só se faz justiça para os ricos, pois ela é cara e quem não tem dinheiro não pode recorrer aos tribunais, por não poder pagar advogados, e há na Constituição o remédio, que são as defensorias públicas gratuitas. Mas as autoridades dos vários níveis de poderes executivos não as põem à disposição dos pobres, como manda a Carta Magna.
Nesse contra-ataque, o ministro Marco Antônio usa um argumento irrespondível para, se não transferir ao governo (Executivo) a responsabilidade por a Justiça quase sempre pender para o lado dos ricos, pelo menos para dividir com ele essa culpa. O governo tem os poderes, mas não os usa, para dar aos pobres os instrumentos de irem aos tribunais fazer valer os seus direitos.
O ministro fez ainda uma acusação grave aos poderes executivos, o governo da União e os dos estados e municípios, culpando-os pela lentidão da Justiça. Revelou que estes, mesmo perdendo em processos que movem ou se lhes movem e sendo claro que não têm razão, insistem em demorados e onerosos recursos. Sonegam direitos aos cidadãos e pessoas jurídicas, devem e não pagam e sempre recorrem. “Não é razoável que o Estado esteja em 70% a 75% dos recursos”, disse o ministro.
O presidente do STF acabou elogiando a Caixa Econômica Federal por seu comportamento, desistindo de 80 mil ações sobre os saldos do FGTS, após o STF ter definido a correção relativa aos planos Verão e Collor 1. Quem emperra a Justiça é geralmente o governo.